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Batatas são Tóxicas para o Ser Humano?

Resolvi postar sobre esse tema porque parece ser algo que causa bastante dúvida entre os consumidores. Veja um exemplo de texto:

<< A batata inglesa, o tomate, a berinjela e o pimentão são vegetais pertencentes à família das solanáceas, categoria que inclui plantas tóxicas como o tabaco e a beladona. Sabe-se que a solanina enfraquece o sangue, dilata o aparelho digestivo e provoca distúrbios no estômago e intestinos, levando inclusive ao surgimento de hemorróidas. Além disso, a batata contém ainda altos índices de potássio, o que compromete seu uso como alimento regular.

Por serem muito expansivas (yin), as solanáceas, quando consumidas por aqueles que ainda fazem uso de carnes (yang), podem trazer uma sensação momentânea de bem-estar. Com o tempo, porém, seus efeitos deletérios manifestar-se-ão inevitavelmente. […]

Não é necessário abandonar o consumo de batata-inglesa, mas procure substituí-la por inhame, cará, batata-doce, batata-baroa, aipim, mandioquinha…. >>

 


 

Bom, vamos lá: a batata-inglesa (Solanum tuberosum) realmente é da mesma família que o os vegetais listados no texto, que produzem o glicoalcalóide solanina como parte de um mecanismo de defesa contra doenças, insetos e outros predadores. A solanina realmente é tóxica para o organismo humano, e não é destruída por processos como cozimento. Os principais sintomas de sua ingestão são diarreias, vômitos e outros problemas gastro-intestinais. Em geral, são produzidas maiores quantidades do composto quando a planta está doente ou na fase de brotamento, justamente para proteger a nova muda – e é por isso que devemos evitar comprar batatas brotadas (conforme expliquei no fim do post sobre orgânicos). Outras ocasiões em que o tubérculo produz a solanina são: quando sofre cortes, amassados e machucados (principalmente durante armazenamento e transporte); ou quando é exposta ao sol, tornando-se verde (por conta da produção de clorofila).

Entretanto, vale lembrar que uma batata madura, saudável e íntegra (ou seja, fora das condições acima citadas) possui baixos níveis de solanina e é perfeitamente segura para o consumo humano. Inclusive, os produtores utilizam o defensivo agrícola “bud nip” justamente para inibir a germinação das raízes durante a distribuição. Também é importante notar que alguns dos substitutos apontados no texto, como certas variedades de mandioca, possuem cianetos que também são tóxicos – e só podem ser eliminados após cozimento e/ou fermentação por várias horas (citei isso no post da canola). Já em relação ao potássio, o texto está incorreto: 100 g de batatas possuem menos de 10% do requerimento diário do mineral, o qual é um nutriente de extrema importância para o metabolismo humano. Além disso, ele está concentrado principalmente na casca do tubérculo, que costuma ser retirada.

No tocante às dúvidas relacionadas à armazenagem de batatas, é mais uma questão sensorial: deve-se evitar armazenar em temperaturas baixas (=geladeira) pois essas promovem a degradação do amido em açúcar, tornando o alimento mais doce e duro – então melhor guardar em local ameno, arejado e ao abrigo da luz – e isso vale para praticamente qualquer produto que contenha bastante amido. Falando nisso, existe um outro ponto de atenção em relação às tubérculos e cereais: a acrilamida, um subproduto de Reação de Maillard, formado pela reação de certos açúcares com aminoácidos a temperaturas acima de 120°C. O composto já foi identificado como potencial carcinogênico e causador de problemas de fertilidade. Por isso, deve-se evitar consumir batatas e mandiocas fritas em excesso, assim como pães, biscoitos e outras massas muito torradas ou assadas (identificadas pela coloração marrom-escura/preta não-característica).

 

Fontes:

 

 

Bananas com Manchas Anti-Câncer

O mito de hoje me foi mandado pelo Facebook esses dias, na forma de meme, que parece ser a nova tendência das hoaxes da internet :

banana manchas

banana manchas


 

Trata-se de mais um mito de alimentos que curam câncer (veja outros exemplos aqui). A própria banana comercial já tem também sua cotinha de polêmicas: é uma híbrida genética, já que o fruto natural “selvagem” é assim, e é levemente radioativa por causa do isótopo 40 do potássio (mas não se preocupe, são emanações inofensivas para a saúde, assim como as de certos tipos de água mineral). Existe inclusive uma lenda urbana que diz que a casca de banana pode ser fumada utilizada para clarear os dentes, a qual não é apenas mentira, como também perigosa! Mas vamos ao que interessa: a publicação acima não cita fontes, nem data, nem nome do cientista / universidade (o último estudo científico japonês – afinal eles não fazem muitos né?). Tive que pesquisar um pouco, mas não é que dessa vez havia mesmo o tal estudo original? É esse aqui, segue uma análise preliminar:

O estudo não diz que as bananas contêm TNF (fator de necrose tumoral). Aliás, isso seria bizarro praticamente impossível, já que trata-se de uma proteína bastante específica do sistema imunológico de vertebrados, e não tem nenhuma relação com a fisiologia de vegetais. O que os autores fizeram foi injetar extrato de banana em ratos, o que gera uma reação natural do corpo de produzir TNF para defesa, da mesma maneira como faria para qualquer outro corpo estranho. Isso está bem longe de um estudo clínico com humanos que tivessem ingerido as frutas e, mesmo se o composto estivesse presente, ele seria digerido e quebrado em aminoácidos, perdendo sua funcionalidade (expliquei um pouco disso no post do frango com hormônio).

O que os cientistas de fato constataram foi que, quanto mais madura a banana, maior a resposta do sistema imune como um todo. Isso pode estar relacionado também com a maior quantidade de precursores de dopamina e serotonina nos frutos, que são hormônios com diferentes efeitos no metabolismo humano – inclusive estimular alguns leucócitos (células brancas do sangue) a produzirem diversas proteínas de defesa. As manchas escuras são apenas um indicador da maturidade (e da variedade) do fruto, e não “pocinhas de TNF”. E mesmo se fossem: quase ninguém come a casca da banana, e estudos seriam necessários para ver qual a quantidade suficiente para que isso tivesse algum benefício perceptível, sem atingir um patamar em que os efeitos colaterais do excesso de TNF pudessem se manifestar – tais como doenças auto-imunes, asma, psoríase, etc.

Por outro lado, a banana contêm certa quantidade de anti-oxidantes e fibras, que podem ajudar na minimização do risco de desenvolvimento de alguns cânceres específicos (note que isso é bastante diferente de dizer que “banana com mancha cura câncer”). Assim como diversas outras frutas e vegetais, é claro – e muitos deles bem mais do que a banana. Mesmo assim, existem vários benefícios nutricionais em comer o fruto (além das fibras e da energia), principalmente a quantidade das vitaminas B6 e C e dos minerais manganês, potássio, magnésio e flúor.

 

Fontes:

Ades com Gosma

O leite de soja AdeS é um produto que já carrega uma boa cota de polêmicas, principalmente pelo episódio da soda cáustica, além das controvérsias naturalmente relacionadas à própria soja. Nos últimos anos, alguns consumidores têm relatado encontrar uma espécie de “gosma” no interior das embalagens da bebida, geralmente constatada após a identificação de sabor e aroma estranhos durante sua ingestão. Os casos não são exclusividade do produto da Unilever, sendo que relatos semelhantes já foram feitos em relação a concorrentes e até mesmo para outros tipos de bebida, como néctares e sucos Del Valle (Coca-Cola) e água de coco Kero Coco (PepsiCo). Geralmente, os clientes também reclamam do atendimento ruim e descaso por parte das empresas, que alegam não ter culpa e não apresentam soluções satisfatórias aos requerimentos.


 

Bom, vamos à pergunta inicial: O que é essa gosma? Algumas pessoas pensam se tratar de um corpo estranho adicionado (intencionalmente ou não) durante o processamento das bebidas: talvez um pano, papel ou plástico ou até uma mortadela. Essa possibilidade é completamente nula, já que as indústrias empregam o sistema de envase da TetraPak, no qual todos os filtros e aberturas têm dimensões milimétricas que impossibilitariam a entrada de um objeto desse porte. Na verdade, a “gosma” é uma colônia de fungos, que pode se desenvolver posteriormente, a partir de um único esporo microscópio. Mesmo assim, o envase é feito de forma completamente hermética, no qual a bebida sobre tratamento térmico a altas temperaturas e as embalagens são esterilizadas com peróxido de hidrogênio, evitando qualquer contaminação microbiana. Então a empresa realmente tem razão ao dizer que isso não ocorreu durante a fabricação.

Isso nos leva à próxima pergunta: como e quando esse fungo entra no produto? As embalagens da TetraPak são muito interessantes por serem uma combinação de papel, polietileno e alumínio, que juntos proporcionam um recipiente funcional que serve como barreira à luz, à umidade, às trocas gasosas (principalmente entrada de oxigênio) e aos micro-organismos. Isso desde que estejam intactas, é claro. Infelizmente, eu trabalhei pessoalmente tanto com embalagem quanto com estoque e distribuição de bebidas cartonadas, e posso atestar que não há o devido cuidado no manuseio dos produtos, fazendo com que sofram quedas e choques desnecessários. Algumas vezes, essas batidas podem gerar micro-furos em uma ou mais camadas das “caixas de suco”, imperceptíveis a olho nu, porém grandes o suficiente para a passagem de um esporo fúngico. E isso é algo que pode ocorrer desde a própria armazenagem na empresa até o uso pelo consumidor, passando pelo varejista e toda a cadeia distribuidora.

E qual o problema nisso? Quando o esporo chega no interior da bebida, ele se encontra num ambiente úmido, escuro, sem predadores nem competidores, e cheio de açúcar – condições ideais para o crescimento e multiplicação dos fungos. Aos poucos, esses vão fermentando o açúcar do produto e gerando ácidos, álcoóis e outros compostos, o que explica o gosto e odor esquisito do líquido. Na verdade, o micro-organismo não é patogênico (ou seja, não traz riscos a saúde), mas sim deselegante deteriorante, pois acaba com a qualidade sensorial e nutricional do produto. Fazendo mal ou não, ninguém quer ter que conviver com um bolor nesse alimento, então deve-se sim fazer uma reclamação formal e exigir uma posição da empresa. Ainda que ela não tenha culpa diretamente, é responsável por todos seus produtos vendidos e tem que agir junto a seus parceiros distribuidores e varejistas para tentar minimizar esse tipo de ocorrência.

O que mais a empresa pode fazer? Infelizmente, não muito. Ao lermos a lista de ingredientes do AdeS, vemos que há aditivos como acidulantes, estabilizantes e aromatizantes – mas nada de conservantes, o que o torna mais suscetível a essa contaminação no caso de um eventual micro-furo. Ou seja, se os consumidores pedem por produtos cada vez mais livres de aditivos da indústria química, eles têm que estar preparados para certas consequências dessa ausência – igual quando compramos certos vegetais orgânicos e nos deparamos com larvas de insetos. É preciso “colocar na balança” o que é preferível: alguns poucos casos com fungos deteriorantes ou todas as bebidas com algum tipo de composto com função preservativa, como o benzoato de sódio? Em relação à embalagem, o sistema de envase da TetraPak já é um dos mais modernos, seguros e consolidados no mundo inteiro (apesar de certas lendas urbanas) – sendo difícil pensar em qualquer mudança que possibilite uma melhoria expressiva nesse sentido.

Como lidar? Ainda que tenhamos uma meia dúzia de casos na mídia, isso ainda pode ser considerado um problema pontual diante das milhares de bebidas cartonadas produzidas no Brasil – então deixar de consumi-las por esse motivo me parece um tanto drástico (mas existem outros). O ideal é sempre checar as caixas do fundo à tampa, evitando comprar produtos cujas embalagens estejam violadas, amassadas e/ou rasgadas, principalmente quando tiver líquido vazado visível. Consuma o produto sempre dentro do prazo de validade e atente às recomendações de temperatura e local de armazenagem, indicadas no rótulo. Caso esteja desconfiado, abra o alimento e despeje o líquido numa jarra transparente, verificando também o interior da embalagem esvaziada. Se sentir sabor ou aroma estranhos, melhor suspender o consumo e comunicar à empresa responsável pelo produto, ou até mesmo ao Procon.

 

Fontes:

<< Caro Pedro,

 Abaixo seguem as respostas da Tetra Pak às suas perguntas.

A presença de um corpo estranho em um produto processado e envasado em sistemas da TetraPak não é possível. Durante o processo de tratamento térmico o alimento passa por um filtro com orifícios de diâmetro entre 1 a 3 milímetros. Antes do envase o produto ainda passa por um sistema de válvulas, cuja abertura é inferior 1,0 cm. A embalagem, por sua vez, antes de receber o produto, passa por uma banheira de peróxido de hidrogênio a 70°C onde é completamente lavada, esterilizada e passa por rolos espremedores cuja folga é inferior a 4 mm. O transporte do produto do tratamento térmico até o envase acontece em sistema hermeticamente fechado, sem qualquer contato com o ambiente externo.  O sistema de envase asséptico é  desenvolvido para impedir a penetração de qualquer corpo estranho, inclusive microrganismos de dimensões inferiores a milésimos de milímetro. Lembramos ainda que o sistema possui dispositivos que impossibilitam a produção diante de falhas que venham a comprometer a qualidade do produto.  Finalmente, ressaltamos que em muitos casos o produto pode passar por um equipamento de homogeneização onde é forçado a passar por uma abertura de 0,1 mm, a uma pressão de aproximadamente 200 bar.

Os sistemas de processamento e envase asséptico de bebidas da Tetra Pak foram desenvolvidos para garantir a esterilidade comercial do alimento. Isso significa que após o tratamento térmico e envase asséptico encontram-se  livres de microorganismos patogênicos ou deteriorantes  capazes de se desenvolverem em condições normais de não refrigeração, mantidas durante a distribuição e a estocagem. Desta forma, a bebida mantém suas propriedades nutricionais, em segurança, durante seu prazo de validade até que seja aberto. As tecnologias de processamento térmico e envase asséptico estão há muito consolidadas e são utilizadas pelas indústrias de alimentos em todo o mundo, que oferecem diariamente uma grande quantidade de produtos seguros aos consumidores.

A embalagem longa vida da Tetra Pak é composta por papel, plástico e alumínio. Tais elementos não foram escolhidos ao acaso. Sua combinação impede a entrada de luz, água, ar e microorganismos, mantendo as características originais dos alimentos como sabor, valores nutricionais e aromas. De dentro para fora: são duas camadas de polietileno que evitam qualquer contato do alimento com as demais camadas protetoras da embalagem. Uma camada de alumínio, cuja função é evitar a passagem de oxigênio, luz e microorganismos, e uma quarta camada de polietileno. A quinta camada é de papel que confere resistência à embalagem, além de receber a impressão com as informações de rotulagem e finalmente, uma sexta camada de polietileno, que protege contra umidade externa. IMPORTANTE: a integridade da embalagem é fundamental para a manutenção da condição de esterilidade comercial do produto. Caso haja algum rompimento das camadas protetoras da embalagem, o alimento pode sofrer contaminação.

Com relação aos corpos estranhos encontrados em embalagens, nada se pode afirmar sem uma análise detalhada desses produtos. O consumidor deve entrar em contato com a indústria produtora para que essa possa dar uma resposta, após analisar não apenas o produto mas, os dados sobre o lote da produção a que ele pertence. 

Permanecemos à disposição.

Atenciosamente,

Andreza Rodrigues >>

Top Comidas com Ingredientes Humanos (ou quase isso)

Bom, antes de começar esse post, deixem-me explicar um pouquinho sobre o processo criativo do blog. Eu tenho um arquivo de Word onde eu listo sugestões e ideias para futuros textos. Algumas vêm da minha própria cabeça, baseadas em lendas que escuto por aí, notícias, correntes da internet e até em coisas que aprendi durante a graduação. Outras são sugestões de amigos, leitores e colegas de profissão. Aos poucos, vou passando pelos itens da lista e escolhendo alguns temas que têm potencial para virar post; pesquiso melhor e começo a escrever. Estou tentando matar todas as sugestões atuais de amigos antes de viajar em agosto para os EUA, onde ficarei por 4 anos fazendo um doutorado, e talvez não tenha tanto tempo para postar. Eis que peguei a lista esses dias e li o seguinte tema: canibalismo! O post a seguir foi o mais próximo que consegui escrever sobre o assunto :P, e também será a estreia da categoria “listas” do blog.

 


#3: Cerveja de Barba. A Rogue Ales é uma cervejaria bastante divertida e criativa. Ao que parece, estavam tentando criar uma nova linhagem de leveduras para produzir uma belgiam ale especial, mas nenhuma amostra era satisfatória. De brincadeira, eles mandaram um pedaço da própria barba do mestre cervejeiro da empresa, John Maier, para análise…e não é que tinha um bom exemplar do micro-organismo justamente ali nos fios crescidos há mais de 30 anos? Eles procederam com o cultivo da levedura a partir da barba e criaram o produto beard beer, que inclusive já está disponível no Brasil. Ok, não é exatamente algo feito de uma parte humana como ingrediente (me lembrou um pouco do diamante feito do cabelo do Pelé), mas mesmo assim alguns podem achar meio asqueroso. Já eu confio nos procedimentos de higiene da empresa e experimentaria se tivesse a chance. Deve ser bem melhor que qualquer cerveja de milho. Fonte: All Beers.

#2: Queijo de Pé e Axilas. Cientistas dos EUA e da Noruega embarcaram nesse projeto baseadas nos famosos “queijos com cheiro de chulé” que encontramos por aí. Coletaram bactérias de regiões “fedorentas” (leia-se: pés e axilas) de alguns artistas, cientistas e outras personalidades, para criar onze variedades diferentes de queijo (falando em laticínios e bactérias humanas, quem se lembra da hoax do Activia com fezes?). Nesse caso, o foco foi apenas na pesquisa em si, e o produto não foi liberado para consumo. Para se tornar algo mais comercial, necessitaria de procedimentos adequados de segurança alimentar. Ok, confesso que, mesmo nesse cenário, a ideia é um pouco nojenta demais até para mim e tenho minhas dúvidas se experimentaria o produto ou não. De qualquer maneira, é mais um caso de algo feito de micro-organismos encontrados em humanos, e não dos próprios de fato. Fonte: Exame.

#1 Sorvete de Leite Materno. A iguaria foi criada pela rede bizarra de sorveterias londrina The Icecreamists, feita a partir de leite materno pasteurizado, baunilha e limão. O produto, batizado de “Baby Gaga“, é o único caso comercial de um alimento realmente envolvendo (intencionalmente) fluidos corporais de um ser humano. Apesar de a matéria-prima sofrer um tratamento térmico, o sorvete teve sua venda suspensa sob a alegação de que ainda faltam testes mais aprofundados para avaliar seus efeitos na saúde. Antes disso, a sobremesa era vendida pela bagatela de 14 libras e foi aprovada pelos consumidores, se tornando uma sensação em Londres. Acho que esse eu provaria (se não fosse tão caro!), desde que sua inocuidade e higiene sejam comprovadas nas análises laboratoriais. Enquanto isso, outras mães andam curtindo a ideia e fazendo sorvetes caseiros de leite materno para dar aos seus bebês. Fonte: BBC Brasil.

PS: Não incluí o caso da bebida feita com sêmen humano, pois trata-se de uma hoax. Você pode ver uma análise detalhada da estória no E-farsas.

Miojo com Cera do Mal

Hoje vamos analisar mais uma daquelas hoaxes que existem há mais de 10 anos, populares nas correntes do Hotmail e renascidas nos compartilhamentos em massa do Facebook. Essa é bem especial  porque nem sequer tiveram o trabalho de inventar uma historinha, uma faculdade x e um professor y, então a gente nem vai precisar ficar procurando outras características típicas de hoax – a falta de assinatura, data e de fontes já nos basta (crédito para o autor: pelo menos essa é uma corrente breve e objetiva, uma raridade!). Chequem a pérola:

 

hoax do miojo

hoax do miojo

 


 

 

Para começar, o macarrão instantâneo (vulgo miojo) não tem nenhum tipo de cera em sua composição. Ao ler um exemplo de lista de ingredientes, podemos encontrar aditivos como corantes, estabilizantes, realçadores de sabor e anti-umectantes – mas nenhum tipo de cerídeo ou agente glaceante. O motivo pelo qual ele “não gruda” (e essa afirmação é bem relativa – conheço gente que consegue fazer grudar) é que ele passa por uma secagem em óleo fervente (mais conhecido como fritura) durante seu processamento, e é exatamente isso que o torna desidratado e instantâneo – aliás, o produto também pode ser consumido direto antes da fervura, pois não está “cru”. De forma semelhante, é comum adicionarmos azeite durante o preparo do macarrão tradicional, para evitar que grude e dar mais sabor.

Mitos sobre alimentos cancerígenos existem aos montes, mas achei legal o autor apontar “o câncer” como se fosse uma doença específica, tipo “a tuberculose” – câncer de quê, cara pálida? O que existe, de fato, é a intoxicação por parafina, que pode causar sintomas como dores abdominais, náuseas, vômitos e constipação intestinal – o que está bem longe de câncer e do miojo, de qualquer forma (acho que acontece quando você come uma vela por acidente, ou algo assim). Na verdade, o problema do macarrão instantâneo é um só, simples e extremamente comum em diversos alimentos: a alta quantidade de sódio. Conforme eu já expliquei nos posts do caldo de carne e da soja, o consumo do mineral em excesso pode gerar certos agravantes à saúde, especialmente a hipertensão.

Para ser justo, existem sim alguns alimentos que utilizam certas ceras como aditivo, principalmente como impermeabilizante ou agente glaceante, porém essas são compostos específicos de pureza controlada para uso seguro em alimentos, aprovados pelas legislações nacionais e internacionais – e não oferecem nenhum risco à saúde humana. Os principais exemplos são a cera de abelha, a carnaúba e a goma-laca (que eu citei no post do carmim de cochonilha), utilizadas principalmente na superfície de produtos como balas, chicletes, doces e até mesmo queijos. Mas não no miojo.

 

Fontes:

Opinião: Soylent

O post de hoje será um pouco diferente: em vez de esclarecer algum mito ou polêmica envolvendo alimentos, vou dar a minha opinião sobre um novo produto do mercado, o Soylent. Antes de mais nada, quero adiantar que não sou médico e nem nutricionista, e esse texto será mais um ponto de vista pessoal sobre o assunto (mais ou menos como foi o do hambúrguer de laboratório) do que realmente uma análise científica.

Para quem não sabe, o Soylent é um produto inovador, desenvolvido nos EUA pelo empreendedor Rob Rhinehart, que consiste num substituto integral de refeições contendo (supostamente) todos os nutrientes necessários para o dia-a-dia de um ser humano. Mais do que um suplemento, o produto foi concebido como alternativa aos alimentos tradicionais, o qual poderia acabar se tornando a principal (ou até única) fonte de nutrição humana num hipotético futuro distópico no qual não existiria mais comida na forma como a conhecemos hoje. Enquanto (ou se) esse estranho futuro não chegar, as pessoas fariam uso do Soylent com os seguintes objetivos: maximizar a saúde, economizar dinheiro (custaria em torno de US$5,00 por dia) e tempo (por não ter que comprar ingredientes, cozinhar, lavar louças, etc) – o qual poderia ser utilizado para várias outras coisas, incluindo trabalho e lazer.

Eu já prefiro encará-lo como a evolução da infame ração humana (ainda que muito melhor pensada): trata-se de uma mistura de pós – contendo carboidratos, proteínas, vitaminas e minerais – acompanhada de uma parte líquida em separado, contendo lipídeos. O usuário deve bater as duas partes com água para obter uma espécie de “shake”, o qual irá substituir todas as refeições diárias. O produto atingiu uma popularidade tão alta que começaram a aparecer até receitas caseiras de Soylent na internet. Parece, inclusive que existe um projeto para tornar sua fórmula “open source“, com a interatividade dos usuários para a modificarem a gosto, ou algo do gênero*.

Eu parabenizo o esforço e a criatividade empreendedora da iniciativa e, como todo bom engenheiro de alimentos, amo transformar comidas em pós simpatizo bastante com produtos que alinham nutrição, praticidade, conveniência e custo. Porém acho que o Soylent está numa ponta aguda do espectro do futuro dos alimentos (a outra ponta seria a tendência orgânicos-veganos-sem glúten-cultivados por tribos). E, como todo extremo, ele pode ser perigoso. O fato é que ainda não existem estudos a longo prazo sobre uma dieta baseada exclusivamente no produto (e nem teria como, já que ele é novo).

Ainda assim, o Soylent apresenta sua cota de polêmicas. Algumas delas são decorrentes das próprias controvérsias envolvendo soja (da qual, apesar do que sugere o nome, tem muito pouco no produto) e o óleo de canola – mas já tratei das duas em posts anteriores. O alimento já tem até mesmo sua própria lenda urbana envolvendo carne humana como ingrediente, decorrente da associação com o filme Soylent Green, dos anos 70 (nem preciso entrar nessa discussão, né?).

Vou expor aqui algo um pouco mais sério: um estudo feito em ratos que se alimentaram exclusivamente com dietas em pó – e desenvolveram problemas de saúde como hiperglicemia e alta pressão sanguínea. Isso ocorre, em linhas gerais, porque a mastigação dos alimentos sólidos (aqui eliminada) é uma etapa preliminar da digestão, que prepara o resto do processo, estimulando a secreção de enzimas, ácidos e hormônios como a insulina, fundamentais para a absorção gradual dos nutrientes pelo organismo. De qualquer forma, o estudo não foi feito especificamente com Soylent nem com humanos, o que inviabiliza uma correlação mais fundamentada (e, de qualquer forma, a mastigação poderia ser emulada com o uso de artifícios como chicletes). Eu citei isso para atentar para o fato de que somos adaptados para a digestão de alimentos sólidos e complexos, e imagino que a eliminação de barreiras físico-químicas naturais possa promover o desuso de certos músculos (como os do maxilar) ou mesmo favorecer a diminuição da produção de algumas enzimas. Isso tem o potencial de se tornar perigoso caso alguém siga uma dieta 100% de Soylent por algum tempo e depois tente retomar os alimentos tradicionais.

Além disso, é importante notar que pessoas diferentes possuem requerimentos nutricionais diferentes, dependendo da idade, sexo, etnia, altura, peso, grau de atividade física, gravidez, clima, entre outros. Isso sem contar pessoas que possuem alguma enfermidade ou condição alimentar, como certas alergias. Também vale lembrar que os estudos sobre nutrição são muito dinâmicos, e cada vez mais se descobrem compostos essenciais (e outros nem tanto) ao organismo, sobretudo potenciais oligominerais, como o arsênio. Ou seja, ainda não sabemos, exatamente, de tudo que o organismo precisa.

Apesar de não existirem muitos estudos científicos relevantes, existem alguns casos pessoais e anedóticos, tanto a favor do produto (vide vídeo na página oficial) quanto contra. Dos casos contrários, algumas pessoas relataram que, após consumirem o produto de forma regular, não observaram nenhuma melhora de índices como peso e % de gordura – além de ficarem irritadiças e com fome. Outras relataram efeitos colaterais como inchaço, gases e diarreia – que podem ter causas semelhante às que eu expliquei no post dos gummy bears. Já os casos a favor relatam melhorias palpáveis na saúde, como perda de peso (ou de gordura), maior disposição, pele mais saudável, etc.

Mudando um pouco o foco do post: apesar de a nutrição ser um aspecto fundamental da alimentação, ela não é o único. O fato é que existe um grande prazer sensorial no ato de comer, no qual as pessoas se deliciam não apenas com os diferentes sabores e aromas dos alimentos, mas também com a textura, o aspecto visual e até auditivo (percebido na crocância, por exemplo). A perspectiva de substituir toda refeição por uma dieta líquida é – pelo menos para mim – um pouco assustadora. E ainda tem o fator rotina: mesmo que o sabor seja bom, ele iria acabar enjoando eventualmente, e a falta de variedade poderia tornar o hábito quase impossível (eu já tenho um pouco dessa dificuldade com suplementos alimentares). Diz-se que o Soylent é capaz de matar a fome, mas talvez ele não consiga eliminar a vontade de comer – são duas coisas diferentes. No tocante à economia de tempo, existem outras alternativas que não demoram muito mais que bater algo no liquidificador, como fazer um sanduíche.

Além do prazer e da gula, as refeições também têm todo um aspecto social, podendo servir como momento de socialização com familiares, colegas e amigos. No trabalho, a “hora do almoço” pode funcionar como um momento de descanso e descontração em meio ao estresse do dia-a-dia. Sair para jantar é considerado por muitos como opção de lazer (uma das minhas favoritas) ou como encontro amoroso. Para os amadores da culinária, cozinhar pode ser um hobby e até uma terapia; já para os profissionais, é arte e ofício. Do ponto de vista cultural, a gastronomia pode ilustrar vários aspectos de um povo, seus ingredientes e seus costumes. De uma certa forma, a popularização do Soylent como substituto integral das refeições ameaça tudo isso. Afinal, nós não comemos apenas por necessidade.

Dito isso, acredito que a necessidade fale mais alto para algumas situações específicas, como bolsões de pobreza ou regiões escassez de alimentos em geral; refugiados; militares em campo de batalha; e até mesmo astronautas. Penso que, para esses casos, o Soylent seja uma ótima alternativa para as refeições tradicionais. Já para o resto de nós, só o consideraria esporadicamente para alguns momentos de pressa, e não como substituto integral da boa e velha comida 🙂 .

*eu realmente não entendi direito como isso funciona, por isso não entrei em mais detalhes. Precisaria pesquisar mais sobre o assunto.

 

Fontes:

 

Frango com Hormônio

Esse é mais um daqueles posts que as pessoas vivem me pedindo e que eu vinha enrolando para fazer. Já citei o assunto de forma mais superficial no post do chester, mas agora resolvi escrever algo mais elaborado sobre o tema: Existe um boato muito conhecido de que os frangos de corte são alimentados com hormônios que promovem o seu crescimento rápido, presente não apenas na internet, mas no dia-a-dia de maneira tão forte que vai desde as filas do supermercado até as salas de espera de consultórios médicos. Isso atingiu proporções tão absurdas que as pessoas passaram a encará-lo como verdade, fazendo com que a BRF (Sadia; Perdigão) e a Aurora tivessem que fazer propagandas específicas falando que seus frangos não tem hormônios. O problema é que, quando a Fátima Bernardes vira e diz que o frango dela é criado sem adição de hormônios, isso dá uma falsa impressão de que os produtos de outras marcas não o são (ou que isso era prática comum num passado recente). Mas não é bem assim.

Na verdade, nenhum frango nacional é adicionado de hormônios, já que isso é proibido por lei no Brasil. Se você é daqueles que não confia na fiscalização e inspeção federal, saiba que o Brasil é um dos maiores exportadores de aves do mundo, e que possui clientes como EUA, Europa e Japão, os quais também têm leis impedindo a prática e são extremamente rigorosos no controle de resíduos de hormônios em alimentos. Na verdade, a confusão acontece porque existem outros animais (como peixes e bovinos) nos quais se pode injetar/alimentar com certos tipos de hormônios em países como os EUA – dentro de níveis seguros ao consumo humano, é claro. Então não, as meninas de hoje não estão entrando na puberdade mais cedo e nem se maquiando porque consomem muito “frango com hormônio” desde bebês – isso e uma bobagem.

Mas então, por que os frangos de granja crescem tão rápido quando comparados à “galinha caipira”? O principal fator que explica isso é o melhoramento genético (vide post sobre transgênicos), visto que variedades de frango vêm sendo selecionadas ao longo de dezenas de anos a fim de se desenvolver animais com maior produtividade de carne possível – eu gosto muito de fazer uma analogia com as diferentes raças de cachorro, guardadas as proporções. Outro motivo é a nutrição, sendo a alimentação dos animais controlada de forma que eles se desenvolvam de maneira rápida, saudável e visando o aumento de massa muscular em regiões como peito e coxas, compatível com sua genética. Temos também fatores como ambiente, manejo, higiene e sanidade, todas aperfeiçoadas após anos de pesquisa intensa, visto que o frango de corte é um dos produto cárneos mais consumidos e estudados do mundo.

Nesse sentido, um suposto hormônio de crescimento soaria mais como uma pílula milagrosa “à la Polishop” (que nem esses produtos charlatões de emagrecimento que vemos na televisão). O fato é que muitos estudos apontam que injetar dito hormônio no frango não funciona, já que o crescimento depende de diversos outros fatores devido à complexidade do metabolismo animal. Mesmo se isso funcionasse, traria mais danos do que benefícios aos animais, pois as aves já foram justamente selecionadas para crescer beirando seus limites fisiológicos e, se forçadas muito além disso, poderiam desenvolver problemas nas articulações ou mesmo insuficiência cardíaca, gerando eventuais mortes – que representariam prejuízos aos produtores. Temos mais um porém: hormônios são extremamente caros (qualquer pessoa que faça tratamento hormonal vai entender o que eu estou falando): 5 mL podem custar em torno de R$200,00, o que é muito mais do que o preço do próprio frango.

Além disso, o hormônio de crescimento é uma proteína e deve ser injetada na corrente sanguínea para ter efeito, pois se for ingerida na ração, será digerida e decomposta (e não terá efeito nenhum) – é por isso que não existem “pílulas de insulina”, por exemplo. Imaginem o quão inviável seria para um grande produtor injetar o composto em centenas de milhares de aves, várias vezes ao longo de suas vidas – e ainda conseguir controlar isso. Na verdade, os únicos hormônios que funcionam se consumidos oralmente são os esteróides, utilizados por algumas pessoas como anabolizantes; porém, esses dependem de atividade física intensa para dar resultado. Lembrem-se que o frango confinado é bastante sedentário e não exercita o voo, como já vimos em outro post. Ou seja, o uso de anabolizantes na ração não faria crescer o peito da ave, que é justamente um dos principais objetivos da avicultura.

Queria deixar claro uma coisa: não estou falando que os frangos não têm hormônios! Todos os animais superiores têm um sistema hormonal ativo: os compostos ocorrem naturalmente, sendo produzidos em certos órgãos-chaves, transportados pelo sistema circulatório e podendo se acumular em depósitos de lipídeos. Apesar de a carne em si ser músculo, é muito comum que ela contenha parcelas de gordura, as quais podem trazer alguns hormônios naturais – mas isso não é motivo de preocupação. Por exemplo, 100 g de gordura de frango têm em torno de 2 ng de estrogênio, que é muito menos que a quantidade presente na mesma porção de batata (225 ng) ou de sorvete (520 ng). Na verdade, uma criança do sexo masculino antes da puberdade (que é o tipo de ser humano que menos fabrica o hormônio) produz  em torno de 41500 ng de estrogênio por dia. Ou seja, ele teria que comer uma quantidade absurda de frango diariamente para que o hormônio em sua dieta tivesse qualquer efeito em sua saúde.

Por fim, queria abordar de leve algumas outras diferenças que as pessoas costumam apontar entre o frango de granja e a galinha caipira, além da questão do crescimento. A primeira é a quantidade de gordura – que é maior na ave criada de forma extensiva, tanto pela questão genética quanto pelo fato de essa galinha ser abatida mais velha, fazendo com que os músculos de sua carcaça tenham menor porcentagem de água (e, consequentemente , mais gordura) – assim como ocorre com diversos animais, incluindo o homem. Outro ponto é a questão sensorial: o sabor, o aroma, a textura e a cor das aves podem variar muito. Isso também está relacionado aos aspectos anteriores, mas aqui a nutrição faz bastante diferença: a galinha caipira consome alimentos como milho e alfafa no lugar de ração, o que faz com que sua carne fique mais amarelada e com sabor característico. Por ser mais velha e ativa, seus músculos também ficam mais firmes, podendo se refletir numa textura mais dura que a do frango industrializado.

 

Fontes:

A Verdade Sobre a Canola

Quando me sugeriram esse tema da primeira vez, achei que era algo meio sem-graça e desconhecido. Só depois que eu fui ver a quantidade de textos sensacionalistas e alarmistas que existem sobre este assunto na internet! E todos eles sem nenhuma fonte, é claro. Segue aqui um trecho como exemplo:

<< Azeite de Oliva vem das azeitonas. Óleo de girassol vem das sementes de girassol. Mas o que é canola? A Canola é na realidade, uma palavra inventada para um produto geneticamente modificado, transgênico.

É infelizmente uma invenção canadense subsidiada pelo governo. Os subsítidos (sic) tornam o produto muito barato, por isso quase todos os alimentos processados ou embalados contém óleo de canola. Comece a ler os rótulos e checar os ingredientes. Entenda o porque (sic):

Óleo de canola é desenvolvido a partir de uma planta chamada colza, que pertence à família da mostarda. Estes óleos tem (sic) sido utilizados para fins industriais (velas, batons, sabonetes, tintas, lubrificantes e biocombustível). É um óleo industrial, e não um alimento!

O óleo de colza é a fonte por trás do gás mostarda, que pode nos causar enfisema, dificuldade respiratória, anemia, constipação, irritabilidade e cegueira. Mas através da beleza da modificação genética, nós agora vendemos este óleo como uma (sic) óleo comestível.

A alegação sobre a canola ser segura para consumo é que através da modificação genética ela deixa de ser colza, e passar (sic) a ser canola. Mas a canola é apenas a colza geneticamente modificada. O óleo de canola passou a ser comercializado como um óleo maravilhoso, com baixos níveis de gorduras saturadas e com um ótimo aporte de ômega 3.

Acredita-se que a colza tenha efeito cumulativo, e que seus sintomas levam cerca de 10 anos para começar a se manifestar. Um possível efeito à longo prazo seria a destruição do revestimento de proteção no cérebro, em torno dos nervos, chamado bainha de mielina […] >>

 


 

Bom, eu cortei o restante do texto porque começa a falar um monte de besteira sobre transgênicos (incluindo coisas como a não-obrigatoriedade de rotulagem – oi?) – o que, aliás, é uma das principais críticas da internet sobre a canola e seu óleo. Não vou me aprofundar nesse sub-tópico pois já tenho um post exclusivo falando sobre isso de forma mais completa. Só vou esclarecer uma coisinha: as primeiras variedades de canola foram feitas por cruzamentos inter-espécie, seleção e melhoramento de sementes, afinal nem existia engenharia genética nos anos 70 (só muito posteriormente é que entrou a transgenia mais “laboratorial” para aumentar a produtividade, semelhante ao que aconteceu com o milho e a soja). Lembrando que vários alimentos que comemos são transgênicos nesse primeiro sentido – um bom exemplo é a banana comercial, já que o fruto original é cheio de sementes e não-comestível.

A canola é na verdade um cultivar específico de colza (Brassica napus), uma planta semelhante à mostarda, especialmente desenvolvido para aproveitamento do óleo de suas sementes. A colza original já era utilizada há muito tempo como óleo combustível, ganhando força durante a revolução industrial. Entretanto, ela apresenta grandes quantidades de ácido erúcico, um composto potencialmente tóxico para a saúde humana (apesar de haver evidência apenas em certos animais, e de certas populações asiáticas o consumirem em suas dietas). Exatamente por isso, foi feito um melhoramento genético a fim de se desenvolver uma variedade com menos de 2% desse ácido em relação ao total de ácidos graxos, para que seu óleo pudesse ser utilizado com segurança para consumo humano. Ou seja, todos os “malefícios” apontados devido a esse composto não se aplicam ao óleo de canola.

O nome canola realmente é uma palavra inventada (CANadian Oil Low Acid – justamente por ter baixo nível de ácido erúcico), e é um daqueles casos em que uma marca acaba se tornando sinônimo do produto, como “cotonete” ou “durex”. A mudança de nome não foi feita apenas para diferenciar da planta original, mas também como uma jogada de marketing, já que o nome da semente em inglês (rapeseed) remete a algo ruim – pois rape significa “estupro”. De qualquer forma, é importante lembrar que o Canadá – origem e maior produtor do óleo – é um dos países com legislação mais rigorosa no tocante à saúde e segurança de alimentos. O óleo de canola apresenta comprovadamente altos teores de ômega-3 e ômega-6, e existem inúmeros estudos de seus efeitos nutricionais benéficos. Inclusive, o FDA (órgão regulador dos EUA) aprova várias alegações de saúde relacionadas à canola.

Outra falsa afirmação do texto é que o gás mostarda seria derivado da colza. Na verdade, esse gás é sintetizado industrialmente através de dicloreto de enxofre e etileno, dentre outros métodos. O nome do agente é devido a sua coloração amarelo-amarronzada e seu odor pungente que lembra plantas do gênero Brassica, como a própria mostarda e a raiz-forte. Aliás, segundo a lógica do autor, você não poderia comer nenhum vegetal desses ou seus derivados – que incluem não apenas a mostarda e a colza, mas também alimentos como repolho, brócolis e rabanete. Mesmo que o gás fosse derivado da colza, esse argumento também não funcionaria: o que faz algo ser tóxico é a dose alta, geralmente obtida após várias etapas de concentração, separação e isolamento. Uma analogia pode ser feita com as sementes de papoula (comestíveis) e seus derivados: ópio e morfina (alucinógenos).

Além disso, é relativamente comum que cultivares diferentes (transgênicos ou não) de uma mesma espécie apresentem toxicidades diferentes. Um bom exemplo é o aipim (consumido com frequência no Brasil) versus a mandioca-brava, que contém altas quantidades do veneno ácido cianídrico – e só pode ser consumida após muitas horas de cozimento. Aliás, esse é um dos motivos pelos quais se faz melhoramento genético de plantas: no caso da colza, não somente temos uma semente mais segura ao consumo humano, como também eliminamos parte dos glicosinolatos que conferem sabor pungente e amargo ao produto. Isso faz com que o refino industrial do óleo seja mais brando e barato, minimizando a utilização de processos agressivos e solventes potencialmente perigosos aos trabalhadores e meio ambiente – isso sim uma preocupação importante para a indústria e os consumidores.

Falando em indústria, o texto também critica o fato de o óleo de colza ser utilizado em outros setores, como cosméticos e combustíveis. Lógico que não há nenhum problema nisso, e praticamente todos os óleos e gorduras vegetais têm inúmeras aplicações nas mais diversas indústrias. Posso citar alguns casos: o óleo de soja, que é muito utilizado para a fabricação de biodiesel, e a manteiga de cacau, para cosméticos (e é claro que isso não é motivo para deixar de comer chocolate). Você também pode fazer uma comparação com outros produtos como a cana-de-açúcar, que gera tanto o açúcar utilizado largamente na indústria de alimentos como o álcool, que tem aplicações em bebidas, combustíveis e produtos de limpeza. Sabem o que tudo isso que dizer? Absolutamente nada, já que cada um tem um grau de refino, pureza e concentração diferente, conforme o uso pretendido.

Por fim, algumas pessoas me perguntaram a questão da fritura, baseando-se na questão do ponto de fumaça. Apesar de existirem inúmeras tabelas disso (e as pessoas tenderem a querer escolher óleos com PF > 200°C), isso é muito subjetivo, já que essa temperatura vai depender de questões como tipo de cultivar, origem (solo e clima) e, sobretudo, grau e tipo de refino. Vale lembrar que esse parâmetro não é exatamente o ponto onde o óleo se degrada, sendo que muitos compostos voláteis sofrem decomposição a temperaturas muito menores, podendo gerar produtos indesejáveis sensorialmente ou até mesmo tóxicos – incluindo-se aqui alguns ácidos graxos livres. Aliás, a própria liberação desses ácidos acaba mudando constantemente o ponto de fumaça durante o aquecimento, invalidando ainda mais esse indicador.

Para quem come frituras esporadicamente, o tipo de óleo vai fazer uma diferença mínima, contanto que seja substituído com uma certa frequência (ou seja, não utilizar o mesmo óleo para várias frituras sucessivas). Lembrando que o número de calorias será praticamente o mesmo, variando apenas nutrientes específicos como ômega-3 ou vitamina E. Também vai do bom senso de cada um de não utilizar, por exemplo, um azeite extra-virgem premium para fritura (que será degradado e perderá suas propriedades), sendo preferido um mais básico como o óleo de bagaço de oliva  (que, inclusive, tem PF maior – para quem curte isso). Agora, se você consome alimentos fritos com muita frequência, eu me preocuparia primeiro em mudar esse hábito para depois pensar no tipo de óleo.

 

Outras Fontes:

Divulgação: Kitchenlicious

Quando eu digo que tenho um blog sobre alimentos, muitas pessoas acabam pensando que se trata de um blog sobre dieta e/ou culinária, e algumas acabam até desapontadas quando descobrem que não é esse o conteúdo e que elas precisam ter um mínimo de conhecimento e senso crítico para conseguir entender meus textos.

Como todo bom Engenheiro de Alimentos, eu odeio o estereótipo de nutricionista / chef de cozinha com todas as minhas forças. Apesar disso, nada me impede de divulgar outros blogs sobre os temas. E hoje é dia de apresentar o Kitchenlicious, um blog muito legal da talentosíssima Bruna Gomes, que mistura culinária com dicas de viagens:

kitchenlicious

kitchenlicious

Blogs de receita existem aos montes na internet. O grande diferencial do Kitchenlicious é que autora, apesar de brasileira, mora na Rússia e viaja com bastante frequência. E a cada viagem, ela descobre novos pratos típicos, que tenta fazer em casa depois e explica como preparar. Vale a pena dar uma conferida 🙂

O que são essas manchas no meu chocolate?

Na época da páscoa, apesar do preço dos ovos e outras controvérsias, é comum ganharmos mais chocolate do que conseguimos comer. Como toda comida, costumamos guardarmos o excesso para a posteridade. Daí chega o inverno, dá aquela vontade e você se lembra das guloseimas que estão no armário ou na geladeira. Só que quando você abre a embalagem, acaba se deparando com isso:

fat bloom

fat bloom

 


 

Calma, o seu chocolate não está podre, apesar do aspecto. Isso não é obra de fungos nem bactérias, o produto não está oxidado, e não há nenhum risco à saúde em consumi-lo. Já vou explicar o que está acontecendo, mas antes, deixe-me falar um pouco sobre o processamento de chocolate (bem por cima):

Após a colheita dos frutos maduros do cacaueiro, os mesmos são partidos e suas sementes são separadas da polpa, para serem posteriormente fermentadas e secas ao sol sob condições controladas. O produto resultante é uma amêndoa que deve seguir para as etapas de limpeza, torrefação, descascamento e moagem, resultando no chamado liquor (ou massa) de cacau, principal matéria-prima para o chocolate. Esse pode ser prensado para separar a gordura – a famosa manteiga de cacau –  dos sólidos, o cacau em pó. Esses componentes são misturados entre si e com outros ingredientes como leite e açúcar para gerar os mais diferentes tipos de chocolate. A mistura passa, na sequência, por um processo chamado conchagem, no qual sua textura (antes granulosa) é homogeneizada e suavizada em rolos a temperaturas mornas.

Pequeno parênteses químico: Um dos motivos pelos quais as pessoas em geral gostam de chocolate (além da presença de teobromina, que é um estimulante semelhante à cafeína) é o sabor e a textura do alimento, que são devidas – em grande parte – à manteiga de cacau. Como várias outras gorduras vegetais, ela compreende uma mistura de triacilglicerídeos que apresenta polimorfismo, ou seja, pode se cristalizar em sólidos com diferentes conformações espaciais. Isso é importante porque, no chocolate, a gordura está numa forma específica que garante a constituição de barras sólidas e firmes, porém facilmente partíveis sem esfarelar, e com certa crocância. E – talvez o mais importante (algo que a difere da maioria das gorduras vegetais) – nessa conformação, seu ponto de fusão é em torno de 35°C, próximo da temperatura do corpo humano, o que faz com que ela, literalmente, derreta na boca.

Voltando ao processo: após a conchagem vem a temperagem, no qual o alimento é aquecido e resfriado a temperaturas específicas a fim de promover a cristalização da manteiga do cacau naquela forma particular que apresenta as propriedades sensoriais desejáveis descritas acima. Essa etapa é bastante crítica e, quando feita de maneira incorreta, pode gerar a solidificação da gordura em outras conformações (as quais tem propriedades físico-químicas e sensoriais diferentes). Depois, o produto é resfriado, embalado, armazenado e transportado até os pontos de venda. Durante essas etapas é essencial controlar a variação de temperatura, pois isso pode fazer com que parte da manteiga funda e depois re-solidifique, não necessariamente na forma ideal. O mesmo vale para o estoque dentro da nossa própria casa.

Além disso, quando a gordura muda do estado sólido para o líquido, ela passa a ocupar um maior volume, o que pode fazer com que acabe “escapando” pela estrutura porosa do chocolate até sua superfície. Ao atingir uma temperatura baixa novamente (por exemplo, na geladeira), ela cristaliza ali como um sólido branco-acinzentado ou amarelado, fenômeno chamado de fat bloom (algo como “florescimento da gordura”), que gera as manchas claras no chocolate. Ao contrário do que alguns pensam, o fenômeno também acontece no chocolate branco, porém não é tão fácil de ser percebido visualmente pela falta de contraste. Como eu já disse, isso é apenas um problema sensorial (aliás, mais visual que qualquer outra coisa), e não afeta de forma alguma a segurança do alimento.

Existe uma outra fonte, menos comum, para o aparecimento de coloração branca no produto: o sugar bloom. Nesse caso, quem “floresce” na superfície é o açúcar. Isso ocorre em ambientes muito úmidos ou quando o chocolate está muito mais frio que a temperatura local, fazendo com que a umidade do ar se condense na superfície do alimento. Essa água pode solubilizar parte do açúcar ali presente, o qual se separa da estrutura principal. Depois, quando a temperatura volta a subir e/ou o ambiente se torna mais seco, a água evapora, fazendo com que o açúcar se cristalize na superfície, formando uma espécie de “pó claro”, visível a olho nu. Os dois casos (fat e sugar bloom) podem ser evitados controlando-se as condições de armazenagem: o ideal é estocar a temperaturas entre 18 e 20°C e umidade relativa abaixo de 55%.

Temperagem, transporte e armazenagem inadequados são os principais causadores para os defeitos, mas não os únicos. Um outro aspecto importante é a utilização de ingredientes como outros óleos e gorduras vegetais na formulação do chocolate, muitos dos quais não são compatíveis com a manteiga de cacau e podem estimular a sua separação. Isso é relevante principalmente no Brasil, onde a legislação aceita um limite mínimo de 25% de componentes do cacau e é permitida a adição de óleos como o de palma e certas gorduras hidrogenadas, que dão um sabor classificado por alguns como “de parafina”. Isso costuma ser mascarado com uma quantidade imensa de açúcar, o que também pode contribuir para o sugar bloom. Existem produtos com porcentagens ainda menores de cacau, os quais ganham denominações como “cobertura” ou “sabor” chocolate.

Eu pessoalmente também acho essa porcentagem muito baixa (e não sou fã do chocolate brasileiro em geral), e muitos países têm legislações bem mais restritivas – sobretudo na Europa, por isso a qualidade maior de seus produtos (dá quase para fazer um paralelo com a lei da pureza que eu comentei no post da cerveja). Mas enfim, gosto sempre vai ser uma questão pessoal: quem está acostumado com o produto brasileiro pode achar um chocolate 70% de cacau “ruim” por ser mais amargo e encorpado. De qualquer forma, tanto formulação do alimento quanto o clima brasileiro são “pratos cheios” para a formação de fat sugar bloom, as famosas manchinhas claras do chocolate.

 

Fontes:

+ de 100.000 Visualizações

Em abril de 2013, eu estava comemorando 1000 views. Naquela época, eu nunca iria imaginar que chegaria um dia que meu blog atingisse a marca dos cem mil – muito menos que isso viria em apenas pouco mais de um ano. Não vou me alongar muito nas estatísticas (já fiz isso no post de aniversário): esse post é simplesmente para comemorar e agradecer a vocês, leitores.

Pode não parecer um número muito alto para alguns, mas para mim é sim uma conquista, principalmente quando escrevo sozinho um blog que não é sobre assuntos como: moda, esportes, humor, pornografia ou fofoca de celebridades, e totalmente sem remuneração ou patrocínio (sobre isso, estamos abertos a negociações…hehe).

Agora, continuando nas minhas ambições logarítmicas, só me resta sonhar com um milhão de visualizações! Quem sabe um dia?

Beijos e abraços, continuem lendo e divulgando 🙂

Carne Mal-Passada Sangrando

Durante minha infância, sempre que a família resolvia fazer churrasco, ocorria o seguinte embate: “picanha bem-passada” x  “picanha mal passada”. É claro que nunca chegava-se a um consenso e o churrasqueiro acabava tendo que fazer os dois tipos para agradar a todos. Uma das frases que mais se ouvia era: “eu que não vou comer essa carne sangrando!”

 


 

Na verdade, em geral não há sangue na carne. Mas antes de eu explicar o porquê, vocês sabem, exatamente, definir o que é carne? Eu falei um pouco sobre isso no post das jujubas: o conceito biológico se refere ao tecido muscular dos animais – inclusive do homem; já do ponto de vista alimentício, isso pode ser estendido ao conjunto de partes comestíveis dos animais, incluindo órgãos (como o fígado), e também seus derivados (frios e embutidos), mas excluindo produtos como leite, ovos e mel (não vou entrar aqui no mérito da “carne de soja” e da carne de laboratório). De qualquer forma, a grande maioria das carnes que comemos são mesmo provenientes dos músculos, principalmente no Brasil, onde outros órgãos e vísceras não costumam fazer parte da gastronomia para a população em geral. Apesar de haver bastante variação entre os diferentes tipos de carne, a maior parte da sua composição é água (~75%), seguida de proteínas (~20%) e gorduras (~2%).

O que ocorre é que os animais possuem em seus tecidos musculares uma proteína globular contendo ferro, chamada mioglobina, que capta oxigênio a fim de auxiliar na geração de energia para realizar certas atividades físicas. Essa proteína está intimamente ligada à coloração da carne, dependendo do estado de oxidação do ferro (Fe2+ – ferroso ou Fe3+ – férrico) e das moléculas ligadas a ele. Por exemplo, na carne bovina in natura, a mioglobina está reduzida (Fe2+) e apresenta cor púrpura, encontrada nos produtos embalados à vácuo. Quando ela se associa ao O2, forma a oximioglobina e adquire um tom vermelho-vivo, muito apreciado pelos consumidores. Entretanto, a exposição prolongada pode levar à oxidação (Fe3+) do composto, formando a metamioglobina, que é marrom-escura – uma tonalidade indesejada.

Para solucionar esse dilema, alguns produtores embalam o alimento em atmosferas modificadas com excesso de CO, o qual se liga à mioglobina formando um produto estável e de coloração agradável. Existem ainda muitas outras possibilidades: quando cozinhamos bem uma carne, a proteína é desnaturada e adquire uma coloração marrom-acinzentada; entretanto, no processo de cura (=adição de nitritos e nitratos, sal e especiarias, muitas vezes seguida de cozimento), ocorre a ligação do grupo nitroso (NO) ao ferro, resultando na nitrosomioglobina, que é rosa – esse é o caso do presunto, por exemplo. Quando há proliferação de certos micro-organismos no alimento, pode ocorrer a ligação de H2S à mioblogina, gerando a sulfomiglobina, que é verde – um bom indicativo de que a carne está estragada. Enfim, acabei me empolgando e indo bem longe nesse assunto, mas o ponto que eu quero passar é como a mioglobina pode afetar a cor de uma carne.

Nesse contexto, qual seria a diferença entre carne vermelha e branca? Intuitivamente, as pessoas acabam associando a primeira aos mamíferos e a segunda a todos os outros animais, mas não é bem assim. Existem várias exceções: avestruzes e atuns possuem “carne vermelha” e coelhos possuem “carne branca”, por exemplo. Em geral, animais grandes e/ou ativos costumam necessitar de maiores reservas de oxigênio e, portanto, possuem mais mioglobina, o que torna suas carnes mais escuras, chamadas popularmente de “vermelhas” – caso dos bois. Às vezes, podemos encontrar muitas variações dentro de uma mesma espécie, de acordo com variáveis como idade, sexo, raça, alimentação e grau de atividade física. Mesmo dentro de um único indivíduo pode haver certa variação: um bom exemplo é o frango, que tem o peito branco – por quase não exercitar o voo -, mas as coxas escuras – por ciscar.

Legal, mas o que é que tudo isso tem a ver com o sangue? Na verdade, nada, e é exatamente esse o ponto deste post. Isso porque o sangue do animal fica principalmente em suas veias e artérias, e não nos tecidos musculares. Pegando novamente o exemplo do boi: durante o abate, o animal sofre uma sangria, na qual seus vasos da garganta são cortados a fim de se expelir o máximo de sangue possível, já que o líquido promoveria a putrefação nos cortes posteriormente. Esse processo é feito com o boi já inconsciente, porém ainda biologicamente vivo para que o coração ajude a bombear o sangue para fora, eliminando-se mais de 60% desse. O restante fica retido em locais como o próprio coração e os pulmões, mas definitivamente não irá para a carne. Já o sangue eliminado geralmente não é utilizado para a alimentação (a não ser em especialidades étnicas como o chouriço), mas pode ser aproveitado industrialmente para a fabricação de diversos produtos.

Tá bom, mas o que escorre do bife mal-passado então? Na verdade, quando cozemos uma carne, rompemos a estrutura celular das fibras musculares, liberando água com mioglobina, que é um líquido até que bastante semelhante ao sangue. A confusão ocorre principalmente porque o sangue também tem uma proteína, a hemoglobina, que tem estrutura, aparência e funções (e nome!) semelhantes às da mioglobina. De qualquer forma, não existe nenhum problema em comer carne mal-passada, desde que ela tenha sido assada o mínimo suficiente para eliminar as bactérias patogênicas e eventuais protozoários ou até mesmo vermes parasitas que podem estar presentes no alimento. Por outro lado, carnes assadas excessivamente também podem ser perigosas por conta da eventual formação de nitrosaminas, que são carcinogênicas. No caso do churrasco, também deve se observar certa distância entre a brasa e a carne, pois a fumaça pode contaminá-la com hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

 

Fontes:

 

Divulgação: Abroaders

Boa tarde, pessoal!

Para quem não sabe, eu irei partir para os EUA no próximo semestre, onde farei um PhD em Ciências dos Alimentos na Cornell University, NY, através do programa Ciência sem Fronteiras. Tenho escutado de muita gente: “uau, que legal, mas como você conseguiu isso?”

Durante o longo processo de aplicação, conheci uma galera muito inteligente e legal que estava passando pelas mesmas etapas e problemas que eu, e que agora também escuta a mesma pergunta acima. Baseado nisso, eles resolveram se unir e criar o blog Abroaders: Estude no Exterior. É uma iniciativa muito bacana que irá reunir informações sobre diversos assuntos envolvendo o processo de ir estudar fora do Brasil, incluindo tópicos como programas, bolsas, ajuda na elaboração de documentos necessários, funcionamento dos processos de aplicação, dentre outras informações relevantes.

Eu não apenas estou recomendando o blog, como também sou um colaborador eventual dele. Vocês podem ler meu primeiro texto no Abroaders aqui. Tenham paciência: o blog ainda é um recém-nascido. Mas aguardem, pois novos posts com muito conteúdo útil estão por vir nas próximas semanas. Para quem estiver interessado em estudar no exterior, vale a pena seguir o Abroaders e ficar atento às publicações futuras 😉

Alimentos Orgânicos são mais Saudáveis?

Não. Nossa, chocante isso. Eu venho enrolando para fazer esse post há algum tempo, mas resolvi que agora é a hora. Sei que vou receber uma gama de leitores fanáticos irritados – ossos do ofício. Por isso, vou deixar algo claro desde o início: não estou escrevendo esse post para fazer propaganda anti-orgânicos e nem para desencorajar o seu consumo. Apenas quero desmitificar alguns boatos que circulam na internet e nas filas dos supermercados.

 


 

Antes de mais nada, vou tentar explicar o que são alimentos orgânicos. É um conceito difícil de se definir, já que é mais encarado como uma ideologia do que realmente um conjunto de técnicas e, apesar dos órgãos certificadores, não existe um consenso e nem mesmo uma padronização sobre o tema. De maneira bem geral, trata-se de alimentos que são cultivados [animais: criados], colhidos [animais: abatidos], processados, transformados, transportados e estocados sem a utilização de insumos quimicamente sintetizados (ou, pelo menos, com o mínimo necessário desses) e abolindo organismos geneticamente modificados. Para a agricultura, isso se reflete no não-uso de defensivos agrícolas (= agrotóxicos, fertilizantes, adubos, pesticidas, fungicidas, etc), hormônios e anabolizantes originários da indústria química. Do ponto de vista da indústria de alimentos, estamos falando da ausência de ingredientes, aditivos e coadjuvantes artificiais (exemplo: corantes, conservantes, aromatizantes, etc). Apesar de conhecer melhor o segundo ponto, irei focar esse post mais no primeiro – mas pretendo explorar melhor o caso da indústria alimentícia numa publicação futura. Também não irei entrar aqui no mérito dos transgênicos, pois já tratei a questão anteriormente.

Pessoalmente, não acho o termo “orgânico” correto pois, do ponto de vista da química, praticamente todos os alimentos são orgânicos (exceto a água e o sal). Inclusive, os próprios agrotóxicos e aditivos alimentares são compostos orgânicos em sua maioria. Talvez por isso alguns autores preferem os termos “agricultura biológica” ou “agricultura natural”, por conta da eventual substituição de parte dos defensivos por técnicas como rotação de culturas, adubação verde, compostagem e controle biológico de pragas. Isso leva à associação dos orgânicos com a sustentabilidade ambiental (e, às vezes, a social) – porém é interessante lembrar que isso não é exatamente uma identidade: existem alimentos orgânicos que não são sustentáveis, e vice-versa. Confesso que os estudos sobre impacto ambiental são confusos e nebulosos, mas deixem-me expôr um fato pouco explorado: alimentos orgânicos utilizam sim pesticidas e adubos, desde que “naturais”, ou seja, extraídos de vegetais e animais e minimamente processados. Isso não quer dizer que eles sejam, necessariamente, menos tóxicos que os sintéticos (muitas plantas e animais contém venenos altamente letais ao homem – mas isso também é assunto para outro post).

Do ponto de vista ambiental, é um fato que certos pesticidas (sintéticos ou não) podem se acumular no solo, água e ar, causando impactos significativos na natureza. Para apimentar um pouco a equação, gostaria de apontar que o principal adubo utilizado na agricultura orgânica é o esterco bovino que, apesar de “supernatural”, é um subproduto da indústria pecuária, uma das maiores geradoras de desmatamento e gases estufa. Mas existe um fator ainda mais importante do que tudo isso: a agricultura orgânica é, para a maioria dos alimentos, muito menos produtiva do que a convencional. Isso porque a falta de defensivos agrícolas faz com que haja muitas perdas no cultivo, colheita, transporte, processamento e estocagem dos alimentos, fazendo com que se tenha que gastar muito mais terra e recursos para produzir a mesma quantidade de alimento, além de gerar desperdícios e contaminação no varejo. E é por esse motivo que os alimentos orgânicos costumam ser mais caros. Isso vai de encontro à revolução verde – que rendeu o prêmio nobel a Norman Borlaug em 1970, considerado pai do movimento que pregava o aumento da produtividade agrícola através de técnicas como melhoramento genético de sementes, utilização de insumos industriais e mecanização. Essas práticas, hoje banalizadas na chamada “agricultura tradicional”, possibilitaram um aumento expressivo na produção de alimentos em países em desenvolvimentos, como o Brasil.

Nesse contexto, muitos alegam que a conversão de 100% dos cultivares em orgânicos seja um retrocesso incompatível com o atual estilo de vida urbano e capitalista, forçando um retorno ao modo de vida rural; ou seja, cada um teria que produzir seu próprio alimento (e lá se foi a variedade), ou não haveria comida suficiente. Eu já não encaro isso de uma forma tão malthusiana e dualista, e realmente acho que os dois modos de agricultura possam conviver em paz.. De qualquer forma, engana-se quem pensa que a agricultura orgânica favoreça pequenos agricultores locais: boa parte dos orgânicos são produzidos por grandes corporações, como a Horizon (50% dos laticínios no EUA) e a gigante brasileira Native; por outro lado, a maioria dos pequenos produtores brasileiros não utiliza agricultura realmente orgânica. Não que o fato de ser uma empresa grande seja um problema (existem empresas boas e ruins), mas enfim. Também nem sempre os alimentos são locais, visto que muitas vezes são importados de regiões como os EUA, Europa e até mesmo a China. Sobre questão dos direitos trabalhistas e impactos nas comunidades: violações acontecem em todos tipos de agricultura e devem ser combatidos sempre, independente de ser orgânica ou tradicional.

Já do lado do consumidor, vários estudos feitos nos EUA encontraram menor teor de pesticidas em alimentos orgânicos do que nos tradicionais – como esperado -, porém todos os alimentos analisados estavam dentro do limite de segurança tolerável. Lembrando que, segundo o Cancer Research UK, não há evidência concreta de que o consumo de pesticidas, nas quantidades presentes nos alimentos, esteja relacionado diretamente ao desenvolvimento de câncer em humanos. Quem talvez apresente maior risco de exposição sejam os trabalhadores rurais, mas isso pode ser evitado com boas práticas agrícolas, correto manejo dos compostos e utilização de equipamentos de proteção individual e coletiva. As pessoas associam os defensivos agrícolas a compostos antigos que não são mais utilizados – como DDT -, porém a indústria agroquímica evoluiu muito ao longo dos anos, e muita pesquisa  foi feita justamente para oferecer opções mais seguras a agricultores e consumidores. Outros estudos também indicam a falta de correlação explícita entre hormônios presentes na comida ingerida diariamente e problemas de saúde. Legal, isso tudo no exterior, mas e no Brasil? Admito que aqui o buraco é mais embaixo, e algumas empresas não seguem à risca as leis. Nesse caso, é importante pressionar para que a fiscalização seja feita de forma mais correta e que os alimentos se apresentem dentro dos limites toleráveis.

Eu falei sobre todos esses aspectos porque imaginei que seriam levantados pelos leitores. Agora, deixem-me explicar melhor a resposta dada à pergunta do título. Aqueles primeiros estudos citados anteriormente também compararam as quantidades de diversos nutrientes em diferentes alimentos orgânicos e não-orgânicos, e concluíram que não há diferença significativa para quase todos eles (com exceção de fósforo – o que não chega a ser alarmante, já que pouquíssimas pessoas têm deficiência do mesmo). Eles também analisaram populações com dietas orgânicas versus tradicionais, e não encontraram nenhuma indicação de benefícios ou malefícios à saúde por conta de uma dieta ou da outra. O vídeo abaixo [em inglês] ilustra isso de maneira bem clara. Antes dele, só para deixar claro: quando eu digo que “não são mais saudáveis” não significa que sejam menos saudáveis, apenas que não há diferença relevante, sobretudo do ponto de vista nutricional. Como eu já expliquei em posts anteriores, orgânicos não tem nada a ver com integral nem com light, apesar de os supermercados muitas vezes agruparem essas categorias. O que ocorre, na verdade, é que pessoas que seguem uma dieta orgânica tendem a consumir mais frutas, vegetais e grãos inteiros, e menos açúcares, sódio gorduras – e isso sim é positivo para a saúde, sendo de fonte orgânica ou não.

Por fim temos a questão do sabor. O próprio autor do vídeo acima diz que prefere o gosto dos tomates orgânicos aos convencionais (e eu, pessoalmente, também). Apesar disso, o aspecto sensorial é completamente subjetivo e vai de cada um. Em alguns testes cegos realizados, a maioria dos consumidores não conseguiu identificar a diferença entre alimentos orgânicos e tradicionais. Mesmo assim, por causa da tendência atual de “sustentabilidade” e do alto preço, os alimentos orgânicos atingiram um status de produto premium, sendo mais voltados para as classes sociais elevadas e pouco acessíveis para a população menos abastada. Muitas campanhas pregam a dieta orgânica, que faz sucesso especialmente com os públicos fitness, militantes ambientais e veganos/vegetarianos, apesar dos argumentos citados neste post. Um exemplo de desinformação é o vídeo abaixo (ah, essas menininhas e seus experimentos de ciências…) :

Na verdade, o composto citado – chlorpropham ou “bud nip” – é um defensivo agrícola de baixa toxicidade para o homem, utilizado justamente para impedir o brotamento de tubérculos e raízes, como a batata-doce (ou seja, a menina nada mais do que comprovou que o insumo realmente funciona). Isso porque quando a raiz germina, ocorre a produção de solanina, um composto natural de sabor amargo que protege a planta em crescimento de predadores e parasitas, essa sim perigosa a saúde humana. Não bastasse a alteração sensorial do alimento, a substância é tóxica e sua ingestão pode causar sintomas como alterações gastrointestinais (diarreia, cólica, vômitos) e neurológicas (dor de cabeça, tontura, alucinações), podendo até mesmo levar à morte. Então gente: quando a menina perguntar qual batata-doce você escolheria comer, você definitivamente não vai querer a brotada. Até minha vó já me alertava para não comprar nenhuma “raiz com rebentos”, e tacaria o vegetal na minha cabeça se eu aparecesse com isso na cozinha dela 🙂 .

 

Fontes [em inglês]:

Divulgação: Do Campo à Mesa

Olá pessoal!

Hoje irei sugerir para você o blog “Do Campo à Mesa“, da Lígia Dourado, Zootecnista e mestranda em Ciência de Alimentos. Ela escreve sobre questões e curiosidades envolvendo principalmente a produção de alimentos. Clique e confira!

O blog tem um foco levemente diferente do meu, mas temos muitas áreas de convergência e é uma boa fonte para quem quer se aprofundar em alguns temas. Meu post favorito é sobre o abate de bovinos, assunto muito requisitado pelos meus leitores, do qual eu não tenho muita experiência para falar sobre. Vale a pena dar uma checada e tirar suas dúvidas 🙂

A Tal Regra dos Cinco Segundos

Quem nunca derrubou comida no chão? Muitas pessoas, por mais que estejam com a faxina em dia, consideram que o chão é sujo e anti-higiênico, e que não devemos comer alimentos que entram em contato com ele. Quer dizer, contanto que tenham se passado menos de 5 segundos. Essa é a tal “regra dos cinco segundos“, internacionalmente conhecida como o tempo mínimo que uma comida pode ficar no chão sem que deixe de ser segura à saúde humana, também disponível nas versões “três ou dez segundos” Mas será que isso tem algum fundamento científico?

Recentemente, algumas notícias vinculadas na internet alegam que sim. Segundo elas, os britânicos da Aston University fizeram diversos testes com diferentes tipos de piso e alimentos, e observaram a contaminação por patógenos típicos como E. coliStaphylococcus aureus para períodos variando de 3 a 30 segundos. Confesso  que microbiologia nunca foi o meu forte, mas achei a proposição um tanto curiosa (para não dizer suspeita).  Pesquisando um pouco mais a fundo, não consegui encontrar em lugar algum o estudo original, apenas as notícias em mídias (famosas e independentes) que reproduziam a teoria da efetividade da tal regra, mas sem muitos detalhes ou embasamento técnico.

Por outro lado, encontrei algumas fontes contrárias à essa alegação. Outro microbiologista inglês, da universidade de Londres, realizou um experimento no qual alguns alimentos ficavam em contato com superfícies contaminadas com  E. coli por 0, 5 e 10 segundos. Todas apresentaram contaminação e, portanto, foram consideradas impróprias para consumo humano. É lógico que isso irá depender se o seu chão está ou não contaminado significativamente com patógenos alimentares; mas, na dúvida, melhor jogar fora a comida. Se não for, tente reprocessá-la (como cozer, ou no mínimo lavar e desinfetar).

Outra fonte que ilustra bem a ineficácia da teoria – com um toque de humor – é o vídeo abaixo [em inglês]:

 

Entre outras coisas, o vídeo diz que não há nenhuma diferença significativa entre a mortadela que ficou no chão por 5 segundos e a que entrou em contato apenas brevemente (o apresentador brinca com o fato de que já não comeria a mortadela de qualquer jeito, porque a acha nojenta). Assim como eu, ele também teve dificuldade em encontrar o estudo científico apoiando a regra dos cinco segundos, mas achou diversos outros que a refutam. Entretanto, o autor aponta para o fato de que, em geral, os chãos de nossas casas não são superfícies fortemente contaminadas com bactérias patogênicas (desde que limpos com certa regularidade).

Ainda assim, o vídeo aponta outro estudo que indica que bactérias do gênero Salmonella podem viver quase um mês em pisos como carpete, madeira e azulejos. Nesse último tipo, 99% das bactérias presentes foram transferidas aos alimentos testados quase que imediatamente. O apresentador também explica que existem outros perigos que se transmitem dos pisos às comidas, como pesticidas – e outros compostos tóxicos -, e que esse efeito é maximizado quando se aplica uma força que empurre ou esmague o alimento em direção à superfície. Por outro lado, é ressaltado que o corpo humano é capaz de combater a maioria dos contaminantes e que o próprio autor não é assim tão receoso em comer coisas que caem no chão.

De qualquer forma, fica a conclusão: não existe nenhuma “mágica” nem “efeito protetor” nos cinco segundos, nem em qualquer outro período arbitrário que se queira. Traduzindo a ótima frase final: “Se você acredita que o chão está contaminado, não coma o produto, não importa quanto tempo ficou em contato. Se você não se importa com isso, sem pressa: 5 segundos não são melhores do que 10”.

…Mas e o Suco de Maçã?

Calma gente, este não será mais um post sobre o Ades de maçã com soda cáustica. O texto a seguir é resultado de uma dúvida recebida por e-mail, da leitora Luciana Caraça. Resumindo, ela me perguntou: “qual a função do suco de maçã em bebidas que não são de maçã?”. Eu fui pesquisando e acabei achando cada vez mais pano pra manga, e resolvi fazer um post a respeito. Mas vou escrevê-lo numa ordem diferente da sequência das investigações. O ponto de partida é o vídeo abaixo, da campanha agite-se do IDEC. Queria deixar claro que eu sou a favor da campanha, mas eu acho bastante errado a forma como eles chamam atenção para alguns “problemas” (que, na verdade, não são problemas) e acabam perdendo o foco real da reclamação.

 


Antes de começar, vamos falar um pouco da diferença entre suco, néctar e refresco, do ponto de vista legal. O único que é feito 100% de fruta é o suco integral (para uma melhor definição do termo, veja o post do pão), o qual não pode conter substâncias estranhas ao fruto, incluindo aditivos como aromas e corantes. As exceções são os sucos adoçados (adicionados de açúcar- máximo 10%) e os sucos gaseificados (adicionados de CO2). Temos ainda os sucos desidratados e concentrados (como aquelas garrafinhas de Maguary), no qual toda ou parte da água é removida industrialmente. Já os sucos reconstituídos são os anteriores após reidratados, nos quais se adiciona água na proporção certa até se atingir propriedades semelhantes às originais do sumo. Existem algumas frutas polposas – como a banana – as quais não contém muita água e geralmente são processadas e vendidas como “polpas”, muitas vezes congeladas. Nesse contexto, surgiu a denominação “suco tropical”, feito com a polpa de algumas frutas específicas, devendo apresentar de 50 a 60% do fruto, dependendo do tipo.

Entretanto, a maioria das bebidas frutais envasadas em Tetra Pak que encontramos no mercado – como o Del Vallenão são sucos, mas sim néctares. Néctar é uma bebida de frutas diluída em água e adicionada de açúcar, podendo conter diversos aditivos, incluindo conservantes, corantes e aromatizantes. As porcentagens de fruto requeridas por lei variam de 10% (maracujá) a 50% (uva). A legislação também abrange a categoria dos refrescos, que contêm ainda menos quantidade da matéria-prima (de 5 a 30%). Esses geralmente são vendidos em pó – como o Tang, oficialmente chamados de “preparados sólidos para refresco”, mas também é possível encontrar na forma líquida, ainda que mais raro. O vídeo faz menção também aos refrigerantes de frutas, os quais são necessariamente saturados de gás carbônico e apresentam quantidades bem pequenas dos frutos (2 a 10%, dependendo do sabor). Eu achei eles meio fora de contexto na campanha (não imaginava que alguns pais dessem refrigerante aos filhos como fonte de frutas – e também por serem produtos que você não deve agitar – mas enfim).

Eu acho muito justa a reclamação dos consumidores quando um produto não segue a legislação, como foi o caso dos néctares Fruthos, Dafruta e Sufresh, reprovados no teste do IDEC. Mas vale lembrar que outras marcas, como a Del Valle, estão dentro dos limites estabelecidos, mas mesmo assim foram alvos de críticas por conta da baixa porcentagem de frutas. Nesses casos a falha não é da empresa, e os clientes devem pressionar os órgãos públicos para que alterem a lei, se acham que esses limites são insuficientes. Tampouco acho que culpar rótulo faça muito sentido, pois ele diz exatamente o que o produto é (suco, néctar ou refresco), todos os ingredientes em ordem decrescente de concentração e, o mais importante para o foco da campanha, a tabela nutricional – basta ler para saber quanto do produto você quer incluir na dieta do seu filho, ou mesmo na sua. Acredito que todos os consumidores têm o direito (senão o dever) de se defender, mas para isso devem procurar conhecer e entender a legislação corretamente.

Voltando ao vídeo, queria apontar algumas passagens um pouco desconcertantes. A primeira é “parece que tem ácido no suco”. Sim, tem, já que praticamente todos os alimentos que comemos são ácidos, e algumas frutas estão entre os mais ácidos de todos (citei algo sobre isso no post da coca-cola). Não há nenhum problema com isso, portanto achei bem estranho a campanha ter enfatizado esse ponto como algo estranho ou ruim. O menino está desculpado por ser uma criança, porém mais tarde aparece um “pai” reclamando do ingrediente ácido ascórbico, que nada mais é do que…a vitamina C! Ela não somente é um nutriente importante (principalmente para crianças), como ocorre naturalmente em diversas frutas. E os fabricantes adicionam o composto justamente para compensar a pequena porcentagem de frutas e tentar oferecer um produto de melhor qualidade nutricional, além do fato do aditivo atuar como anti-oxidante, evitando que o produto estrague e perca sua qualidade. Por fim, conforme já expliquei no post da margarina, um nutriente adicionado não é menos benéfico do que um nutriente original.

O segundo trecho que eu achei enganoso foi o do “o que é esse resto tudo então”. Na verdade, o que forma a maior parte do volume dos néctares e refrescos são a água e o açúcar, tanto que muitas vezes eles são listados antes da fruta no rótulo. Já os aditivos aparecem depois das frutas, o que significa que eles estão presentes em quantidades ainda menores do que as mesmas. Eles não servem para “preencher a garrafa do suco com porcarias”, mas sim apresentam diversas funções tecnológicas (conservantes), sensoriais (corantes, aromatizantes) e nutricionais (vitaminas e minerais adicionados). Por outro lado, o vídeo acerta quando foca na quantidade absurda de açúcar nesses produtos, que é o verdadeiro vilão da história, na minha opinião. Outro ponto positivo foi a citação do sódio no caso dos refrescos em pó.

Tá bom Pedro, tudo isso é muito legal…mas e o suco de maçã? Calma, não esqueci da pergunta original do post. Na verdade, emprega-se o suco de maçã em bebidas de diversos sabores porque essa fruta contém alta quantidade de pectina, um polissacarídeo que atua como gelificante natural, muito usado em geleias e doces. Nos sucos (e outras bebidas), ela é utilizada como espessante e estabilizante, aumentando a viscosidade do líquido e impedindo a separação de fases (como ocorre com o suco de maracujá caseiro) e a deposição de precipitados no fundo (como no suco de uva). Como já expressei em outro post, acho engraçado os defensores do “natural” implicarem com “suco de maçã” na lista de ingredientes – será que eles prefeririam ler “pectina” na lista, no lugar? Ou que tal “espessante: goma xantana”? Realmente, não dá para entender esse povo. Inclusive, outros sucos vegetais, com diversas funções, são adicionados  a diferentes bebidas justamente para tentar substituir aditivos sintéticos e se adaptar às exigências do consumidor. Temos, por exemplo, o suco de beterraba atuando como corante vermelho, e o de cenoura como fonte de vitamina A.

Sobre a falta de bebidas alternativas citada no vídeo: isso já está mudando. Sucos 100% integrais processados já são muito populares na Europa e estão chegando ao Brasil, principalmente com a marca “Sucos do bem“. Mas como é possível fazer um suco industrializado sem conservantes? Os diretores da empresa produtora dessas bebidas fizeram um laboratório no exterior e trouxeram uma tecnologia inovadora de processamento com uma cadeia do vácuo abrangente e bem-estruturada, que impede que o suco entre em contato com ar, evitando sua contaminação – e isso suprime a necessidade do uso de aditivos com função preservativa. Além disso, o suco é previamente desaerado, eliminando-se o oxigênio naturalmente presente no líquido e também aquele incorporado durante a sua extração e transporte. Essa tecnologia é cara, o que faz com que o produto tenha custo mais alto que os concorrentes néctares (além do fato de a bebida não ser barateada com a adição de água), mas possível principalmente por conta da menor escala de produção da empresa.

Algumas fontes alegam que “esse tipo de suco não sofre nenhum processamento, mantendo suas propriedades e nutrientes”, mas isso não é exatamente verdade: ele passa por uma pasteurização, a fim de minimizar a carga microbiana original (já que os frutos não são naturalmente estéreis), para depois ser envasado em embalagens Tetra Pak – tudo isso na ausência de ar. Como todo tratamento térmico, isso acaba mudando um pouco as características originais do suco, principalmente as sensoriais, mas são alterações inevitáveis. Além disso, esses sucos acabam tendo validade menor que os concorrentes por não empregar conservantes, o que dificulta um pouco a distribuição (principalmente por conta da pequena escala) – ou seja, não é possível encontrar o produto em qualquer lugar. Quer uma alternativa ainda mais fácil e barata? Que tal comprar a fruta e fazer o suco em casa você mesmo: não dá tanto trabalho assim, aproveite que você mora num país onde frutas frescas estão disponíveis o ano todo. Às vezes acho esses pais do vídeo meio folgados :P.

Novamente, reitero que apoio a campanha Agite-se, mas sou a favor de argumentos embasados, e não de alarmismos como “tem ácido no suco” ou “tem suco de maçã no meu suco de uva”. Vamos nos informar melhor e buscar entender à legislação, para assim poder lutar pelos nossos direitos de forma mais consciente e menos reacionária :).

 

Fontes:

Milho Colorido

Nessa atual época de compartilhamento instantâneo de “notícias” nas redes sociais, eu tendo a me manter cético e sempre buscar mais informações sobre os assuntos que me interessam – principalmente aqueles envolvendo alimentos. Seguindo a filosofia de São Tomé, eu sempre desconfio quando “a esmola é muito grande”. Em geral, acabo descobrindo que a informação é falsa ou apenas parcialmente verdadeira, tendo sido manipulada ou maquiada para tentar formar algum tipo de opinião e/ou proteger interesses específicos.

Mas às vezes eu estou errado, e a informação realmente é verdadeira. Esses dias, me deparei com a seguinte foto no Facebook:

milho multicor

milho multicor


Minha primeira reação foi pensar: “é claro que isso é falso, deve ser photoshopado”. Afinal, já ouvi falar de milhos verdes, roxos e laranjas – muito utilizados na culinária peruana – mas várias cores assim, numa mesma espiga… parecia que era mais uma hoax.

Só que não é: o milho realmente existe e foi desenvolvido por agricultores dos EUA a partir de antigos cultivares indígenas. A variedade foi batizada de glass gem corn e já existem outros produtores a cultivando. Inclusive, é possível comprar o produto aqui. Nas fontes no final do post temos outras fotos e até um vídeo ilustrando o tal milho multi-colorido.

Esse milho colorido é bonitinho e etc, mas não deve ser comido “ao natural”, cozido na espiga. Porém, ele pode ser usado para fazer farinhas ou estourado como pipoca. Se bem que se eu tivesse um desses, iria querer usar de decoração em vez de comer 😛

É lógico que tem um monte de gente xingando, dizendo que ele é transgênico e etc. Já tratei a polêmica da transgênese em outro post. Para os mais fanáticos: esse milho não foi produzido por um cientista-maluco-do-mal, mas sim melhorado geneticamente por agricultores ao longo dos anos, através de seleções e cruzamentos entre variedades específicas.

Bom, quando a notícia é verdade o post acaba ficando mais curto e não tem muito o que discutir. Se quiserem ler algo mais elaborado envolvendo milho, confiram o post da cerveja. Prometo que no próximo irei trazer um tema mais polêmico para o deleite dos meus leitores 🙂

 

Fontes:

Post Especial de Aniversário: Alimentando a Discussão completa um ano!

Pessoal, hoje é o aniversário de um ano do blog 🙂 . Queria aproveitar para compartilhar algumas estatísticas e curiosidades com vocês:

Tivemos até agora 50 posts e 343 comentários. O blog teve mais de 86.000 visualizações desde o início (rumo aos cem mil – tá chegando!!), espalhadas por 84 países e dependências ao redor de praticamente todas as regiões do mundo. As principais visitas internacionais são de: Estados Unidos, Portugal, Japão, França, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Argentina, Espanha, Austrália, Itália, Rússia, Suíça, Holanda, Suécia e México (nessa ordem). Entre os locais mais inusitados estão: Aruba, Namíbia, Malta, Geórgia, Senegal, Andorra, Guernsey, Haiti, Barein, Timor-Leste, Suriname, Letônia, Cabo Verde, Macau e Luxemburgo. Veja o mapa dos territórios conquistados (clique para ampliar):

territorios conquistados

*PS: O WordPress é proibido na China, mas já tive acessos confirmados de lá, de pessoas que usam direcionador de IP. Para as estatísticas, aparece como se o visitante fosse de outro país (geralmente EUA ou Europa).

Os posts mais vistos da história do blog, excluindo-se a página inicial, foram:

1) Coca-Cola com Cabeça de Rato (quase 35% de todas as visualizações do blog!)

2) Fanta Uva Causa Câncer & Cia

3) Hambúrguer de Minhoca do Mc Donald’s

4) Feijão com Doença de Chagas

5) Nuggets Feitos de Meleca Rosa

6) Peixe Panga Venenoso

7) Cereja em Calda Feita de Chuchu

8) A Farsa da Margarina

9) Salmão com Corante

10) Cerveja Feita de Milho / Água da Cerveja

11) Polêmicas Envolvendo Alimentos Transgênicos

12) Salsicha com Jornal

13) Mc Donald’s x Jamie Oliver

14) Chocolate com Pedaços de Barata

15) Activia com Fezes Humanas

Já o post menos visto do blog (exceto divulgações) é também o primeiro de todos: Carne de Cavalo. Bora clicar nele para dar uma forcinha? Por fim, meu favorito pessoal é o post sobre os Números na Embalagem de Leite Longa Vida.

Bom gente, queria agradecer a todo mundo que me apoiou nesse último ano cheio de altos e baixos. Um obrigadão para quem leu, comentou, divulgou, criticou, ajudou na parte técnica, sugeriu temas e até para quem me xingou! De uma forma ou de outra, vocês alimentaram a discussão 🙂 . Quando compartilhar no Facebook, eu vou tentar lembrar de todo mundo para taggear!

Beijos, abraços, e vida longa ao blog!

Camarão com Vitamina C = Arsênico

Mais uma daquelas hoaxes deliciosas de se analisar. Preparados?

 

<< VOCÊ PODE SE ENVENENAR ACIDENTALMENTE COM ARSÊNICO 

Em Taiwan, uma mulher morreu de repente com sinais de hemorragia em seus ouvidos, nariz, boca e olhos. Depois de uma autópsia preliminar, foi diagnosticado como “causa mortis” envenenamento por arsênico. Mas qual foi a origem do arsênico ? 

A policia, então, iniciou uma profunda e extensa investigação. Um professor de medicina foi convidado para ajudar a resolver o caso.  
 
O professor cuidadosamente examinou os restos existentes no estômago da  vítima, e, em menos de meia hora, o mistério foi elucidado. O professor  disse: “ O óbito não se deu por suicídio nem por assassinato, a vítima morreu acidentalmente por ignorância ! “

Todos ficaram intrigados, por quê morte acidental? O arsênico ataca os  militares americanos que transportam mudas de arroz H Gao. O professor disse: “ O arsênico foi produzido no estômago da vítima”. A vítima tomava Vitamina C todos os dias, que por si só não é nenhum problema. O problema é que ela comeu uma quantidade grande de camarão no jantar. Comer camarão não foi o problema, já que nada aconteceu à sua família que também comeu do mesmo camarão. Entretanto, na mesma ocasião, a vítima também tomou Vitamina C; é aí onde reside o problema.
 
Pesquisadores da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, descobriram através de experiências, que alimentos, como camarão “casca mole” contem alta concentração de compostos de 5-potassio-arsenico.
  
Tais alimentos frescos, por si só, não são tóxicos para o corpo humano! Entretanto, ao ingerir a Vitamina C, devido a uma reação química, o inicialmente não-tóxico 5-potassio-arsenico (como anidrido também conhecido como óxido arsênico, As2 O5 ) se converte no tóxico 3-potassio-arsênico (ADB anidrido arsênico), também conhecido como trióxido de arsênio (As2 O3), que é popularmente conhecido como arsênico !
  
O venenoso arsênico faz parte do magma e causa paralisia nos pequenos vasos sangüíneos, “mercapto Jimei” , inibindo a atividade do fígado e produzindo a necrose da gordura ataca os lobos hepáticos, coração, rins, produz congestão intestinal, necrose das células epiteliais, telangiectasia. Portanto, quem morre envenenada pelo arsênico apresenta sangramento dos ouvidos, nariz, boca e olhos. 
 
Dessa forma, como medida de precaução, NÃO coma camarão quando ingerir Vitamina C

Depois de ler isto, por favor, não seja egoísta. Encaminhe este texto a tantos quanto puder.

Traduzido do original em inglês por Roberto S. Zangrando >>


 

Bom, de cara a gente percebe que isso é uma hoax: sem datas, sem localidades, sem nomes (da vítima e do professor), cheio de termos técnicos difíceis, e o golpe de misericórdia no final: pede pra repassar o texto a todos os contatos. Uma outra coisa legal desse texto é o estilo “Agatha Christie meets CSI”: uma morte misteriosa; um professor de medicina que faz consultoria na área forense é convidado a resolver e, após um exame cuidadoso e detalhado que durou apenas meia hora (não precisou nem de laboratório, pelo visto), fez aquele suspensezinho básico antes de revelar o culpado. Sem contar a linda passagem dos militares americanos que transportavam arroz, que não tem nada a ver com nada, no meio do texto. Mas vamos descascar esse camarão aos poucos.

O primeiro vilão introduzido seria o composto 5-potassio-arsenico supostamente presente no camarão, o qual não apenas não existe, como apresenta uma nomenclatura completamente impossível para um composto inorgânico. E ainda piora: ele diz que sua forma anidra é As2O5 – tipo: cadê o potássio (K) nessa fórmula? Anidrido significa sem água (e não sem potássio). Mas essa fórmula realmente existe: trata-se do pentóxido de arsênio, um sólido muito raro e instável que é sim tóxico, mas certamente não é encontrado em camarões. Aliás, também desconheço a variedade comercialmente chamada de “casca mole”, citada no texto.

Porém, segundo o autor, o composto só se torna perigoso depois de reagir com vitamina C e formar o 3-potassio-arsenico, outro composto que tampouco existe e não é uma forma anidra do trióxido de arsênio (As2O3). Novamente, o óxido é real e tóxico, mas não está presente em camarões e não pode ser formado a partir da reação de um de seus componentes com a vitamina C. Isso porque o As é um elemento químico e não pode ser gerado a partir de outros elementos, a não ser em uma reação nuclear – o que claramente não é o caso. A vitamina C nada mais é que o ácido ascórbico, constituído de C, H  e O (assim como a maioria dos componentes do camarão), não apresentando a menor possibilidade de gerar um elemento químico novo que não ocorre originalmente no alimento.

Ou seja, a única possibilidade seria o camarão já estar contaminado com o arsênio por ter sido criado e/ou pescado em águas contendo o mineral em alta concentração. Isso até é possível, mas é mais comum o crustáceo estar contaminado com metais pesados de origem industrial que se acumulam, como o chumbo ou o mercúrio. De qualquer forma, o envenenamento por arsênio não causa os sintomas descritos, mas sim náuseas, problemas gastrointestinais e mentais, paralisia, asfixia e distúrbios de pele, unhas e cabelos. Por outro lado, o elemento tem várias aplicações nas indústrias de couro, madeira, semicondutores, ligas metálicas, inseticidas, herbicidas e pirotecnia. Em pequenas quantidades, pode ser inclusive utilizado no tratamento de certos tipos de câncer e é considerado por alguns autores como um oligoelemento de papel nutricional.

Voltando ao camarão: uma coisa que ele contém naturalmente é (pasmem!) a própria vitamina C, ainda que em pequena quantidade, o que faria com que todo mundo que comesse o crustáceo sofresse esse envenenamento. Além disso, o alimento costuma ser temperado com produtos como limão e alho, que também apresentam a dita vitamina em quantidade razoável – então praticamente todos morreriam ao comer um prato de camarão. Para ser justo com o autor, existem algumas pessoas são alérgicas ao animal, as quais realmente podem sofrer diversos sintomas quando o ingerem, inclusive morte por asfixia. Mas é claro que isso não é diferente de qualquer outra alergia alimentar (vide post dos traços), e não está relacionado à vitamina C ou ao arsênio.

Por fim, o texto nos brinda com mais duas pérolas: o magma e o “mercapto Jimei”. A primeira não tem absolutamente nada a ver com nada: magma é a rocha fundida abaixo da superfície terrestre que pode ser expelida na forma de lava. Ela não apenas não contém arsênio, como também não tem relação nenhuma com camarões. A segunda é outro daqueles nomes inventados, que não existem em nenhum outro lugar além de reproduções da hoax. Aliás, se você procurar a alegada pesquisa no website oficial da Universidade de Chicago, não irá encontrar nenhum resultado. Mesma coisa para o tradutor apontado no fim do texto, cujo sobrenome é…err…suspeito, para dizer dizer o mínimo (resolvi guardar o trocadilho para mim).

Hoaxes sobre misturas de alimentos fatais são muito comuns na internet. Já falei sobre a coca-cola com mentos e também sobre a cerveja ou refrigerante com limão. Acho que a avó de todas elas é a lenda da manga com leite, supostamente inventada pelos senhores de engenho durante a época escravidão, para evitar que os escravos quisessem se alimentar de leite, que era raro e caro. Enfim, sempre que virem alguma corrente desse tipo na internet, é bom desconfiar e ir atrás de informações mais precisas.

 

Fontes:

Diet, Light ou Zero?

Esse vai ser um daqueles posts que não são exatamente a minha praia, mas que as pessoas me perguntam o tempo todo. É um tema um pouco confuso mesmo, então acho que vale um esclarecimento: qual a diferença entre produtos diet, light e zero?


Na verdade, diet e light são conceitos bastante diferentes. O primeiro está relacionado ao conceito de alimentos para fins especiais, os quais têm sua composição alterada para se adequar a uma dieta específica que atenda às necessidades metabólicas e/ou fisiológicas, diferenciadas, de parte da população. Os produtos diet devem ser isentos de ingredientes como proteínas, gorduras ou açúcares. O mais comum é o último caso, cujas versões podem ser consumidas por diabéticos. Note, entretanto, que não tem relação nenhuma com valor energético. Muito pelo contrário, alguns produtos diet têm mais calorias do que seus correspondentes “tradicionais”, então não são adequados à perda de peso.

Já a denominação light faz parte do que a Anvisa chama de “informação nutricional complementar, que engloba vários conceitos e condições, geralmente relacionados ao fato de um alimento ter maior ou menor quantidade (ou nada) de algum nutriente específico, ou mesmo do valor energético total. Atualmente, o termo light equivale a “reduzido”, “menos” ou “menor teor de”, e só pode ser utilizado quando o alimento apresenta uma redução de 25% em algum nutriente (exemplos: açúcar em bebidas, gordura em biscoitos e sódio no sal) – ou no valor energético total – em comparação com sua versão original. Esses já são mais indicados para quem quer reduzir algo que esteja em excesso em sua dieta, e podem algumas vezes auxiliar no controle de peso.

Antigamente, a lei também permitia a nomenclatura “light” para baixo conteúdo absoluto de certos nutrientes (além do comparativo), de acordo com tabelas específicas, mas isso foi revisto e a nova lei entrou em vigor esse ano (2014), fazendo com que muitos produtos tivessem que alterar seus rótulos (reparem principalmente nos pães de forma). Os atuais termos permitidos nesses casos são “baixo em”, “pouco”, “baixo teor de”, “low”, “pobre em” ou “leve”. Alguns casos específicos podem utilizar o denominação “muito baixo”. Se o alimento não atender às condições estabelecidas, o rótulo deve conter a seguinte declaração: “Este não é um alimento baixo ou reduzido em …”. Para driblar a nova legislação, algumas empresas já estão empregando novos verbetes não contemplados nesse glossário, como “slim”, “lean” ou “fit”.

Em relação ao termo “zero“, esse também está relacionado ao conteúdo absoluto, mas nesse caso o produto deve ser virtualmente isento de calorias ou de nutrientes como açúcares ou gorduras, apresentando um limite máximo (bem pequeno) permitido desses  conforme tabelas específicas da Anvisa. A alegação pode ser especificada (“zero açúcar”), utilizada na forma numérica (“0% de gordura”), ou substituída por expressões equivalentes como “não contém”, “livre de”, “sem”, “free” ou “isento”. A mesma legislação da Anvisa também define termos para os casos em que o teor de algum nutriente de interesse, como fibras e vitaminas, seja mais alto (dizeres como: “rico em”, “fonte”, “aumentado”, etc) – além de outras alegações gerais, as quais não irei tratar aqui para manter o foco do post.

A grande confusão ocorre pelo fato de que vários alimentos podem ser diet, light e zero ao mesmo tempo, dependendo de sua formulação. Nesses casos, cabe à cada empresa escolher qual a terminologia mais interessante para ser expressa na rotulagem, decisão que geralmente tem muito a ver com o público-alvo e a tendência do mercado. A moda agora prefere o termo “zero” (quando possível), mas o “light” ainda é bem usado e o “diet” já teve sua era de glória, sendo agora mais voltado ao consumidor diabético. Segue um resuminho gráfico:

light, diet ou zero?

light, diet ou zero?

Fonte: G1

 

De maneira geral, para tornar um produto diet, light ou zero, é necessário substituir um ou mais ingredientes na sua formulação, o que trará consequências tecnológicas e sensoriais. O açúcar, por exemplo, costuma ser trocado por edulcorantes (=adoçantes artificiais) para manter o sabor doce. Porém, o açúcar pode desempenhar outras funções em alguns produtos – como dar textura, viscosidade, ou até mesmo servir de substrato para o desenvolvimento de micro-organismos em pães e bebidas -, as quais devem ser supridas de alguma forma. Já a redução de gordura é compensada pela adição de gomas e gelatinas para conferir cremosidade. Além da utilização desses e de outros aditivos, os produtos dietéticos às vezes também requerem alterações nos métodos e parâmetros de fabricação, e isso os pode tornar mais caros. Em alguns casos, é impossível fabricar uma nova versão do produto que seja economicamente viável e sensorialmente aceita – esse é um dos grandes desafios dos Engenheiros de Alimentos.

Em tempo: pode parecer estranho, mas também tem muita gente que confunde os três conceitos explicados com “integral”, o qual designa algo completamente diferente. Conforme eu expliquei num post anterior, integral significa inteiro e não tem nada a ver com redução ou isenção de calorias, açúcares ou gorduras. Aliás, muitas vezes o alimento integral tem um valor energético maior do que as versões “brancas” e “refinadas”. Por fim, temos ainda as pessoas que confundem tudo isso com os conceitos de “natural” e “orgânico”. Vou deixar esses dois temas para posts futuros, mas já adianto que também não estão nem um pouco relacionados a diet, light e zero.

 

Fontes:

Soja: Boatos e Mitos

A soja é um alimento extremamente versátil. É consumida na forma pura e cozida, fermentada em especialidades asiáticas como tempê ou missô, e até moída como farinha. Seu molho fermentado, o shoyu, é utilizado para elaboração de milhares de pratos; seu leite é utilizado para fabricar produtos como tofu, sorvetes e iogurtes; seu óleo é um dos mais utilizados no mundo tanto industrialmente como em domicílios. E além disso, é considerado um alimento nutricionalmente completo, com várias alegações de benefícios à saúde.

Entretanto, existem muitas controvérsias sobre os efeitos do consumo da oleaginosa na saúde humana. Neste blog aqui tem um texto (alarmista) bastante preocupante sobre os “perigos” da soja à saúde humana, que será a base da minha análise. O texto é bem longo, então não vou reproduzi-lo aqui na íntegra, mas tentarei tratar dos principais pontos levantados. Lembrando, desde já, que eu não sou nutricionista, nem biólogo, e muito menos médico, então me desculpem caso me falte competência para me aprofundar em algum assunto específico.


 

Antes de começar: boa parte do texto demoniza a soja por ser largamente produzida em cultivares transgênicos. Não irei tratar disso aqui, pois já me posicionei sobre o tema em outro post. Só vou acrescentar que, diferentemente do alegado, o vegetal transgênico apresenta uma composição muito similar ao tradicional, e não tem mais concentração de nenhum dos componentes destacados. Por falar em composição, a soja é sim um alimento bastante “completo”, já que possui alto teor de proteínas (40%), contendo aminoácidos essenciais, ácidos graxos poli-insaturados como o ômega-3, fitoesterois, fibras e diversos minerais, incluindo cálcio e ferro. Por esse motivo, é muito utilizada em dietas vegetarianas, como substituto de leite e de carne.

Apesar de serem bons substitutos nutricionais, muitas pessoas não consideram os produtos de soja como bons substitutos sensoriais, por conta do amargor gramíneo característico da leguminosa. Aliás, o termo “leite de soja” foi uma escolha infeliz, já que o mais correto tecnologicamente seria “suco”. Para produzi-lo, os grãos são entumescidos (ficam na água morna algum tempo até inchar) e em seguida triturados em uma espécie de liquidificador industrial; depois o líquido sofre tratamento térmico e pode ser adicionado de aditivos como corantes e aromatizantes, dependendo do produto. Não é um processo tão horrível quanto o texto descreve, não deixa o produto carcinogênico e definitivamente não muda a digestibilidade de suas proteínas. E o tofu nada mais é do que esse leite coagulado (ácida ou enzimaticamente), processo análogo ao de produção de queijo a partir de leite de mamíferos, e também não apresenta nenhum tipo de problema.

Sobre esses “problemas”, o primeiro apresentado são os fatores anti-nutricionais: os inibidores de tripsina e o ácido fítico. O primeiro bloqueia a ação da protease pancreática (a qual ajuda a quebrar as proteínas em aminoácidos no intestino), e o segundo é um ácido orgânico vegetal que age como quelante, sequestrando metais e diminuindo sua disponibilidade. Os dois compostos realmente estão presentes na leguminosa; porém, diferentemente do que o texto alega, eles são ambos termolábis, ou seja, são destruídos por altas temperaturas. Como ninguém come soja crua e todos os produtos de soja industrializados sofrem tratamentos térmicos, isso não é motivo de preocupação. Lembrando que esses compostos também estão presentes em vários outros vegetais: o gergelim e a castanha do pará, por exemplo, podem ter até 5 vezes mais ácido fítico do que a soja.

O segundo problema apontado na composição da soja são os fitoestrógenos, principalmente a isoflavona, a qual tem estrutura e ação semelhantes às do estrogênio humano e poderia causar desequilíbrios hormonais. Essa alegação é baseada em estudos nos quais o composto foi injetado em ratos – os quais são completamente falhos. Primeiro, porque a ação de um composto na corrente sanguínea é completamente diferente do que se ele fosse comido e digerido, conforme já expliquei antes no fim do post do micro-ondas. Segundo, porque cada animal tem um metabolismo diferente e apresentará respostas hormonais diferentes. Aliás, a única fonte (não tem nem ao menos um link) do texto todo é a organização charlatã Weston Price Foundation, que utiliza falácias e estudos pseudo-científicos dúbios para desmerecer dietas vegetarianas, com alegações do tipo << o vegetarianismo é o grande destruidor do meio ambiente >>, entre outras*.

Já quando observamos os estudos epidemiológicos, não há nenhum indício científico de que fitoestrógenos causem alterações hormonais em homens saudáveis, e alguns até chegam a apontar possíveis benefícios para as mulheres, apesar de serem inconclusivos. Sobre as alegações (e brincadeiras) referentes à falta de libido ou ao órgão sexual masculino dos asiáticos: a primeira é completamente cultural e a segunda, genética – nenhuma tem relação alguma com o consumo de soja. [E, convenhamos, asiáticos claramente não têm nenhum problema de reprodução – muito pelo contrário]. Por outro lado, os fitosteróis presentes na oleaginosa comprovadamente ajudam a reduzir os níveis do colesterol ruim, o LDL, no sangue (ainda que não aumentem os de HDL). Aqui encontramos uma ótima pérola: << Em algumas pessoas, o consumo de soja irá reduzir o colesterol, mas não há qualquer evidência que as doenças do coração estejam ligadas ao aumento do colesterol >> – Tipo, oi? Como alguém consegue levar um site desses a sério?

Como engenheiro de alimentos, minha parte favorita é quando fala que a proteína texturizada de soja (PTS) é um << resíduo industrial tóxico >>. Na verdade, ela é um subproduto da indústria de óleos e não há nenhum problema nisso: vários outros alimentos também são subprodutos, como a gelatina que eu expliquei num post anterior. Na obtenção do óleo, uma prensagem separa a parte líquida da sólida, e depois a primeira é tratada com o solvente químico hexano (derivado do petróleo) para se extrair o óleo – apolar – da fase aquosa. O solvente, muito volátil, é completamente eliminado do óleo por evaporação. Esse processo não é prerrogativa da soja, mas ocorre para a maioria dos óleos vegetais, com exceção do azeite extra virgem, e já existem muitos estudos para formas de extração sem a utilização de hexano, por conta de sua manipulação ser perigosa para os trabalhadores e para o ambiente (ainda que não chegue aos consumidores).

Novamente, as proteínas na forma isolada, concentrada ou texturizada (a famosa “carne de soja”) estão completamente disponíveis e são sim digeríveis. Contudo, alguns carboidratos ramificados presentes no grão é que não o são, e daí vem a maior pérola do texto: << poluindo sua bioquímica interior e ofendendo a Natureza que vive dentro de você >>. Fique tranquilo: sua microbiota intestinal não tem sentimentos, e se tivesse, seria a gratidão – já que esses compostos agem como prebióticos, favorecendo a proliferação de micro-organismos benéficos no trato gastro-intestinal. Aliás, é daí que vêm os gases criticados no final do texto (não vou entrar no mérito dos feijões para não fugir ao tema), de maneira bastante semelhante ao que eu expliquei no post dos gummy bears. Só para lembrar: nem tudo que a gente não digere faz mal, estão aí as fibras para me darem razão.

Nem vou comentar o fato de haver maior concentração de metais como o alumínio num produto…err…concentrado. Vamos pular para a parte em que o autor reclama que o PTS faria mal também por conter corante caramelo e glutamato monossódico. O primeiro eu expliquei aqui, e o segundo tem um problema de nome muito mais simples que câncer: sódio. Aliás, fiquei esperando o tal Na aparecer em massa num texto criticando a soja, pois muitos produtos, como o shoyu, contêm uma quantidade absurda do mineral e podem apresentar danos à saúde se consumidos em excesso. Outra coisa preocupante que eu aguardei em vão foi a questão alergênica – já que a alergia à soja é bastante comum conforme eu expliquei neste outro post e pode ser bastante perigosa (apesar de não ser diferente de qualquer outra alergia alimentar). Ou seja, nos pontos onde realmente haveria motivo de preocupação, o texto é completamente omisso.

Agora voltemos ao começo do texto, quando o autor afirma que: << a soja não é consumida pelos asiáticos há milhares de anos, mas sim apenas desde 1000 a.c., quando eles aprenderam a fermentá-la para tornar mais biodisponível >>. Tirando o fato de autor não saber contar, achei bastante curioso o fantástico conhecimento bioquímico que esse povo tinha nessa época. De fato, a fermentação quebra compostos orgânicos, tornando o produto mais mole, já que a soja crua é dura demais para ser consumida – e isso (alterações sensoriais) era o máximo que eles poderiam saber naquela época. A fermentação de vários alimentos ao redor do mundo precede em milhares de anos qualquer mínima noção de química, microbiologia e nutrição.

Por fim, temos a questão do meio ambiente. É verdade que as plantações de soja dominaram o cerrado e estão invadindo a Amazônia, causando desmatamento. Porém, 80% de toda a soja plantada é utilizada para alimentar gado, e não humanos. Então o consumo de carne também favorece esse dano – e até mais. Por falar nisso, se a soja tivesse todos esses compostos tóxicos que o texto cita, os bois – que a consomem – os teriam numa concentração ainda maior por conta do efeito da magnificação trófica, no qual ocorre uma bioacumulação cada vez maior de uma substância tóxica ao longo da cadeia alimentar. Mas enfim, não dá para esperar muito de um texto cheio de pérolas que a cada duas frases cita coisas do tipo << isso contém química >> ou << isso não é natural >>.

*PS: Não sou vegetariano, e inclusive já critiquei algumas atitudes desse grupo em outros posts. Tento ser imparcial quando se trata de opções e crenças alimentares, focando mais em esclarecer a parte científica e tecnológica.

 

Outras Fontes:

Água Mineral Radioativa na Fonte

Os rótulos de águas minerais são uma fonte (com o perdão do trocadilho) de um monte de informações estranhas e confusas. Entre elas, está a seguinte frase: “Água mineral radioativa na fonte”. Veja o exemplo abaixo:

radioativa_na_fonte

 


 

A radiação, de um modo geral, é vista como vilã por causa da ignorância de boa parte população, apesar de ter inúmeras aplicações interessantes, inclusive na indústria de alimentos (vide o post dos alimentos irradiados). No caso da água, algumas fontes contém uma certa quantidade de radônio, que é um gás nobre radioativo que se forma espontaneamente em algumas localidades a partir do decaimento de metais traços como o tório e o rádio. Mas não há motivo de preocupação: o elemento está presente apenas em uma quantidade ínfima e a maioria de suas emissões mal é capaz de atravessar a pele humana. Outro ponto relevante: a meia-vida do radônio é muito pequena, o que significa que ele já não está presente na água envasada no ato do consumo, apenas durante a captação.

Diferentemente do que muitos imaginam, a lei nem sequer exige (porém permite) que isso seja declarado no rótulo. Então fica a dúvida: porque as empresas fazem questão de escancarar isso? Algumas pesquisas apontam que a radioatividade branda do radônio é capaz de penetrar nas vias respiratórias com ações anti-inflamatórias e descongestionantes (o radônio é, inclusive, utilizado em alguns tipos de radioterapia). É uma das alegações da crenologia – o estudo das propriedades terapêuticas das fontes de águas com características específicas, como termais, sulfurosas, ferruginosas, salobras, etc. Apesar de existir um monte de baboseira pseudo-científica nesse meio, alguns efeitos têm um bom embasamento científico já comprovado. Mas vamos deixar essa discussão de lado e retornar ao foco do post.

A verdade é que, em tese, não há muito sobre o que se falar num rótulo de água mineral, pois temos um único ingrediente sem nada de muito especial. Para driblar isso – e se destacar das concorrentes – as empresas listam coisas como: minerais presentes e suas quantidades, propriedades físico-químicas e características da fonte. A radioatividade é parte desse último tópico, geralmente expressa na unidade obsoleta maches (ME) ou sua variante mais moderna Bequerel por litro (Bq/L). Outra coisa bastante citada é a temperatura na fonte: uma informação – na minha opinião – completamente inútil, pois é outra coisa que também será completamente diferente no ato do consumo.

Sobre as propriedades físico-químicas, cada vez mais elas vêm lotando os rótulos na forma de informações que a maioria da população não tem capacidade nenhuma de entender. Antigamente, era apenas o pH, que indica se a água tem caráter mais ácido ou básico, de acordo com os compostos nela dissolvidos. Por mais que existam inúmeras alegações em guerra, favorecendo ora águas ácidas, ora neutras ou alcalinas, isso pouco interfere na qualidade da água e em suas propriedades nutricionais e funcionais. Também é comum vermos o resíduo de evaporação, um parâmetro que mede a quantidade de sólidos não-voláteis totais dissolvidos na água, dado em mg/L. Já a condutividade elétrica, medida em micro-siemens por centímetro (µS/cm), está relacionada à concentração de eletrólitos presentes na água, indicando indiretamente a quantidade de sais minerais nela dissolvidos.

Ás vezes encontramos também o parâmetro turbidez, que literalmente mede o grau de transparência da água através da dificuldade da luz em atravessá-la. Isso está relacionado à quantidade de sólidos em suspensão na água, constituídos principalmente de argila e matéria orgânica. Uma grande quantidade desses compostos pode se tornar um problema quando a água é exposta à luz solar, fazendo com que certas algas se proliferem, formando aquele “lodo verde” que vemos às vezes nos garrafões de água mineral. Por fim, temos a dureza da água, que mede a quantidade do mineral Ca (ou, mais especificamente, CaCO3), e está mais relacionada às aplicações tecnológicas do líquido do que ao seu efeito enquanto bebida pura.

Por falar em minerais, esses são listados à exaustão nos rótulos de água mineral por motivos nutricionais, tanto os mais famosos (potássio, ferro, magnésio, etc.) como alguns mais inusitados (selênio, molibidênio, vanádio, etc.). Por outro lado, temos também as chamadas “águas leves“, termo cunhado pela marca Bonafont, da Danone, que representa um produto com baixo teor de sódio, indicado para pessoas com problemas de hipertensão.

No contexto dos minerais, alguns consumidores ficam assustados com o dizer “água mineral litinada” em alguns produtos, sendo que já ouvi até estórias sobre uma eventual conspiração das empresas para drogar a população, já que o lítio é geralmente utilizado para tratar problemas psicológicos como o transtorno bipolar. Na verdade, o metal não é adicionado pelas empresas, mas sim ocorre naturalmente em algumas fontes (assim como também existem águas naturalmente fluoretadas), em quantidades tão pequenas que dificilmente possam fazer algum mal (ou bem) para o consumidor. De qualquer forma, o lítio vem sendo estudado nutricionalmente como um possível micromineral, apesar de sua essencialidade ainda não ter sido comprovada.

Outra coisa que confunde os consumidores é a tal “água naturalmente gaseificada“. Isso porque em geral as água minerais se dividem em “sem gás” e “com gás”, sendo que a segunda é artificialmente adicionada de CO2 em um processo industrial idêntico à carbonatação de refrigerantes. Entretanto, além dos minerais, algumas fontes apresentam uma certa quantidade de bicarbonato dissolvido na água (isso também costuma ser declarado no rótulo), o qual se converte espontaneamente em gás carbônico e torna a água gaseificada – ainda que menos em comparação com a artificialmente carbonatada.

Bom, eu poderia ficar falando para sempre sobre água, mas acho que por hoje já chega. Para quem ainda quiser mais, vocês podem checar meus outros post sobre água do micro-ondas e sobre a água da cerveja.

 

Outras Fontes (chequem também as contidas no próprio texto) :

Carmim de Cochonilha: Insetos na Minha Comida?

Nos últimos anos, várias empresas têm sido alvo de consumidores (principalmente nos EUA) sobre o uso do corante carmim de cochonilha, por ser derivado de insetos. Aconteceu com os iogurtes da Danone e com os frappuccinos da Starbucks. Não irei traduzir os textos na íntegra, mas basicamente os consumidores reclamam que esse tipo de coisa deveria ser proibido, que é nojento, que deveria ser escancarado no rótulo, que deveria ser substituído por outro corante, entre outras coisas

Vamos lá: o carmim é um corante natural vermelho intenso, utilizado principalmente nas indústrias farmacêuticas, têxteis, alimentícias, de cosméticos e produtos de higiene. Dentre os alimentos, ele está presente principalmente nos produtos avermelhados sabor morango ou frutas vermelhas, como bebidas, iogurtes, sorvetes, sobremesas, balas, doces, chicletes, geleias e até condimentos. Ele é obtido da fêmea adulta do Dactylopius coccus, a cochonilha – um inseto semelhante a um pequeno besouro. O animal é nativo do México e já vem sendo utilizado para obtenção de corante há centenas de anos pelos povos pré-colombianos. Não é o mesmo corante que o vermelho #40, o qual é sintetizado quimicamente a partir do carvão.

Para produzir o carmim, os insetos são obtidos numa espécie de cacto, do qual se alimentam, para depois serem secos e triturados, formando um tipo de pó. São necessárias milhares de cochonilhas para produzir alguns gramas do corante, motivo pelo qual seu uso é criticado por vegetarianos, veganos e outros defensores do bem-estar animal. Na minha opinião, esse grupos não deveriam sequer consumir nenhum tipo iogurte, frappuccino ou quaisquer outros laticínios, mas enfim, cada um com as suas crenças. Além disso, certos grupos religiosos – como muçulmanos e judeus – evitam consumir alimentos contendo o aditivo pelo fato de insetos serem proibidos na dieta de acordo com a sua fé*.

Um terceiro grupo, mais numeroso, é aquele do “ai que nojo, insetos na minha comida!” –  e esses são os que mais me irritam. Isso vem de um tabu cultural, visto que o consumo de insetos é relativamente comum em outros locais do mundo, como na China e no México, sendo que às vezes chegam as ser considerados como iguarias. Mesmo no Brasil, certas regiões consomem farofa de içá, a rainha de uma espécie de formiga saúva. Os insetos nos fornecem diversos ingredientes dentro e fora da indústria alimentícia, tais como: mel, própolis, seda, cera, remédios e até mesmo joias. Existe também um outro aditivo chamado goma-laca, feito a partir da resina da fêmea do inseto Kerria lacca, utilizado sob o nome “esmalte de confeiteiro“. É empregado como agente glaceante (=dá brilho) em jujubas e balas de goma (elas de novo!), e até mesmo como verniz para madeira.

Além dos “bichinhos intencionais”, já expliquei antes que praticamente todo alimento contém pedaços de insetos, e que é impossível eliminar, controlar ou mesmo fiscalizar isso. O importante é entender que tanto esses traços quanto os aditivos e ingredientes já mencionados não apresentam qualquer risco para a saúde humana. O carmim de cochonilha é considerado como GRAS (=seguro) pelas legislações americana (FDA), europeia (EFSA) e brasileira (Anvisa). Uma única exceção seria uma possível alergia ao corante, o que não é nem um pouco diferente do fato de existirem pessoas alérgicas a vários outros tipos de alimentos, como trigo e amendoim (que são, inclusive, alergias muito mais comuns).

Lembrando também que a Starbucks e Danone estão pagando o pato por um aditivo que praticamente todas as indústrias alimentícias usam. No Brasil, por exemplo, a Nestlé, a Batavo e a Vigor também utilizam o carmim de cochonilha em vários de seus iogurtes e também em outros produtos. E devem continuar, já que não há nada de errado com o corante. Uma coisa que eu acho bem estranha: as mesmas pessoas que criticam o carmim são aquelas que advogam pela eliminação de aditivos sintéticos nos alimentos. Mas oras bolas, não há nada mais natural do que um corante feito de insetos triturados – cadê a lógica? Não que tudo que é natural seja mais saudável ou seguro do que tudo que é artificial, mas isso já é assunto para um outro post…

 

  • Aparentemente, judeus podem comer gafanhotos, já que eles possuem “pernas”, ou algo assim.

 

Fontes [em inglês]:

Petição para inclusão de Engenheiro de Alimentos no concurso do MAPA

Há 10 meses atrás eu publiquei uma petição para a inclusão de Engenheiro de Alimentos no concurso da Anvisa

Como sempre, nossa classe é extremamente desvalorizada tanto pelo setor público quanto pelo privado. O MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que é órgão brasileiro responsável pela legislação e fiscalização da maioria dos produtos de origem animal (principalmente carnes e laticínios), não permite que o profissional Engenheiro de Alimentos possa se candidatar ao concurso público para o cargo de Fiscal Federal Agropecuário.

Engenheiros de Alimentos têm toda competência para poder exercer essa função, já esse tipo de atividade faz parte do nosso currículo acadêmico, onde aprendemos sobre inspeção, legislação e qualidade de produtos animais na teoria e na prática. Por isso, queria pedir a ajuda de vocês para que assinem e divulguem a seguinte petição:

logoPetitionpt-pt

 

Temos que lutar contra a discriminação que o mercado faz com nossa profissão. Obrigado a todos que contribuírem!

Gummy Bears e a Diarreia

Ok, eu sei que eu tenho um monte de sugestões de post atrasadas na fila e que eu já postei sobre jujubas antes, mas me deparei esses dias com um negócio no Facebook e não me aguentei, vou ter que postar sobre isso


 

Não vou traduzir tudo aqui, mas trata-se de uma página da Amazon vendendo um saco de 5 lbs (= 2,7kg) da famosa bala de goma “Gummy Bears” da Haribo, só que na versão sem açúcar. A polêmica fica por conta dos reviews (por favor, tirem um tempinho para lê-los na íntegra, é diversão garantida), onde consumidores do produto relatam suas…err…experiências após ingerir o produto. Todos concordam que o gosto é bom e etc, mas o legal é o pós-consumo, no qual várias pessoas relatam ter tido diversos problemas gastro-intestinais, incluindo: cólicas abdominais, gases, flatulência, desconforto, borborigmo, inchaço e, principalmente, uma diarreia extremamente líquida, volumosa, fétida e constante. Lógico que os termos utilizado nos comentários são bem menos técnicos (e mais hilários). Este não será um post clássico de quebra de mitos: o produto realmente pode causar esses sintomas. O que eu vou tentar fazer aqui é explicar o porquê disso.

A versão diet dos Gummy Bears substitui os açúcares tradicionais das balas (sacarose, glicose, frutose, etc) por Lycasin, feita a partir da hidrogenação do xarope de glicose e/ou da hidrólise do amido. Ela é constituída principalmente de maltitol, um açúcar-álcooltipo de poliol (álcool com várias hidroxilas, -OH) que apresenta sabor doce e menos calorias que o açúcar de mesa, muito utilizado em produtos dietéticos e/ou de baixa caloria. Outros açúcares-álcoois comumente utilizados na indústria de alimentos são o sorbitol e o xilitol, principalmente em sorvetesbalas e chicletes, já que não são cariogênicos (as bactérias orais não o metabolizam) e conferem sensação de frescor/resfriamento ao paladar (pois sua dissolução na saliva é endotérmica). E diferentemente de edulcorantes como ciclamato, sacarina ou aspartame, eles não apresentam sabor residual amargo, porém contêm uma certa quantidade de calorias – ainda que bem menor do que a da sacarose.

Até aqui tudo ótimo. O problema do maltitol e de outros açúcares-álcoois é que eles podem ter um efeito laxativo (= leva a pessoa a defecar) quando consumido em excesso. Isso acontece por que o nosso organismo não é capaz de digerir a substância. Entretanto, ao contrário do que acontece com as fibras alimentares, nossa microbiota (=flora) intestinal irá metabolizar o poliol – ou pelo menos tentar. Resumidamente, as bactérias irão fermentar o composto, gerando ácidos e gases indesejáveis, que irão causar a maioria dos sintomas descritos. Já a diarreia fica por conta do efeito osmótico do maltitol: ele é um composto solúvel (apesar de não digerível) que aumenta muito a concentração no quilo (bolo alimentar quando passa pelo intestino), fazendo com que nosso corpo perca água para as fezes a fim de estabelecer o equilíbrio. Um adendo: algumas pessoas são mais tolerantes ao açúcar-álcool do que outras.

Vale lembrar que o maltitol é reconhecido como seguro (GRAS) pela legislação do EUA, que recomenda que sua ingestão diária não ultrapasse 100g/dia. O problema é que, segundo o rótulo, o produto apresenta 37g de carboidratos – boa parte é maltitol – a cada 41g do produto (=17 unidades)! O motivo de eles usarem toda essa quantidade no produto é porque o composto possui algumas funções tecnológicas além de adoçante: é também umectante, espessante e gelificante – características bastante interessantes numa bala de goma (mas não num intestino humano, diga-se de passagem) – e praticamente dá a estrutura e a consistência da bala. Enfim, se você comer mais de 45 unidades por dia, já atingirá o limite estabelecido. Pode parecer bastante à primeira vista, porém cada “ursinho” é muito pequeno (2,4g) e o pacote tem mais de dois quilos, o que dá umas mil unidades! As pessoas não costumam ter muita moderação com esse tipo de coisa, e facilmente exageram na quantidade de balas, por isso os comentários tão engraçados (e um pouco assustadores) na Amazon.

 

Fontes [em inglês]:

Estudo sobre efeitos laxativos de Lycasin e outros açúcares-álcoois

Sobre o maltitol

Sobre açúcar-álcool

Tabela nutricional do produto

Água do Micro-ondas

Esse boato surgiu lá por 2010 e continua aparecendo bastante nas redes sociais. Trata-se de um experimento, feito por uma menina nos EUA, que indica que plantas regadas com água aquecida no micro-ondas (após resfriada) não se desenvolvem, ao contrário daquelas molhadas com água fervida em fogão ou com água fresca. Geralmente, vem acompanhado da imagem abaixo e de um texto imenso, que fala que os alimentos aquecidos em micro-ondas causam câncer e um milhão de problemas de saúde e de metabolismo, além de outras besteiras.

planta_micro

O texto que eu tenho está em inglês e eu não vou copiar a tradução inteira aqui, mas prometo analisar os principais pontos apresentados.


 

Em primeiro lugar: me desculpem, mas um experimento feito por uma garota da 6ª série para a feirinha de ciências não tem nenhum valor científico! O fato é que não existem publicações de nenhum cientista acreditado que conseguisse repetir esses resultados. Muito pelo contrário, várias pessoas repetiram o experimento e não observaram o mesmo efeito (algumas inclusive observaram a planta regada com água do micro-ondas crescer MAIS do que a com água fervida em panela). Na análise do e-farsas, tem um vídeo ilustrativo. No máximo, podemos notar um melhor desempenho para planta molhada com água fresca, ou seja, não aquecida por nenhum meio.

Antes de discutir melhor isso, permitam-me falar um pouco sobre como funciona o forno de micro-ondas: trata-se um dispositivo que emite radiações não-ionizantes de baixa frequência – semelhantes às ondas de rádio -, as quais fazem com que as moléculas de água vibrem, gerando aquecimento. Note que essas ondas não tem nada a ver com raios UV nem com radiações ionizantes, como raios X e gama, usados em algumas aplicações para tratamento de alimentos. (Não que alimentos irradiados façam algum mal à saúde, como eu falei num post anterior)

Perceba que apenas alimentos contendo água em certa quantidade podem ser aquecidos em micro-ondas; se colocarmos lá dentro algo completamente seco,  não irá ficar quente, não importa quanto tempo passe (faça o teste com um prato vazio e bem seco!). Ou seja, diferentemente do que o texto aponta, diferentes alimentos terão diferentes respostas ao processamento em micro-ondas, dependendo de seu conteúdo de água e das outras substâncias ali presentes que interagem com ela. Também é falso que a estrutura da água mude: ela continua sendo sempre a mesma: H2O. O que pode mudar são os componentes dissolvidos nela.

De qualquer forma, as ondas per se não têm capacidade de destruir DNA e nutrientes, mas o aquecimento pode ter. É fato que, sob certas condições de temperatura, tempo e pressão, alguns nutrientes como vitaminas e proteínas podem ser desnaturados, fazendo com que os alimentos percam parte de seu valor nutricional. E mesmo alguns compostos indesejáveis podem ser formados. Mas note que isso tudo é válido para qualquer tipo de cozimento, seja em forno convencional, elétrico, de micro-ondas, grelhas, chapas, churrasqueiras, etc. Já para os minerais (dos quais o texto fala tanto), precisaríamos de temperaturas de milhares de °C para destruí-los, o que claramente não é o caso. De fato, quando carbonizamos um alimento, praticamente tudo que sobra intacto nas cinzas são os minerais. A propósito, minerais não se tornam radicais livres: esses são provenientes de compostos orgânicos (praticamente o contrário) oxidados.

Outra coisa que o aquecimento destrói são os micro-organismos. Apesar de isso ser benéfico na maioria dos casos, não é o caso para algumas plantas que dependem do mutualismo com algumas bactérias – presentes na água e no solo – para fixar nutrientes. Isso seria uma possível explicação para que a água fresca dê melhores resultados do que a água esterilizada (seja em forno convencional ou de micro-ondas). Mas não vamos entrar nesse mérito, que não é o foco do post.

Retomando: a comunidade científica concorda que o micro-ondas, quando usado corretamente, é completamente seguro e dificilmente os alimentos nele aquecidos possam causar câncer ou qualquer um dos outros problemas mencionados no texto, como: danos cerebrais, disfunções hormonais e imunológicas, desnutrição e deficiências intelectuais. Sempre tem os espertinhos que falam algo do tipo: “então enfia sua cabeça lá e liga” – para esses, eu mando enfiar as respectivas numa panela com água fervendo ou na churrasqueira – é o mesmo efeito. Você é feito de água, e será aquecido até uma temperatura onde você irá se ferir (e, possivelmente, morrer). Simples assim. O negócio é que quem vai ser submetido às micro-ondas é o alimento, e não você.

O texto bate muito na tecla de que o micro-ondas gera compostos que não são metabolizados pelo organismo, e isso seria a fonte de todos os problemas alegados. Novamente, ele não gera nada muito diferente de qualquer outro tipo de aquecimento, mas tem ainda uma outra coisa: nós consumimos compostos que não podemos digerir o tempo todo! Um bom exemplo são as fibras, que encontramos com facilidade em saladas cruas, como alface. E elas não fazem mal à saúde, muito pelo contrário. Quer dizer, por mais que haja coisas que não podemos digerir que causem danos, essa generalização não funciona e nem é prerrogativa do micro-ondas.

Para finalizar, tem uma passagem bastante perturbante no texto que fala sobre uma enfermeira canadense que esquentou sangue no microondas antes de uma transfusão e o paciente acabou morrendo. Gente, mas é claro: o sangue contém células vivas e, quando você o esquenta muito (de qualquer maneira), elas morrem e a transfusão perde o propósito. Eu nem sei se essa estória é verdadeira ou não, mas nem preciso expressar como é infeliz a comparação entre algo que você come e digere e algo que você injeta na sua veia. Se a enfermeira desse o sangue fresquinho para ele beber, ele iria digerir as hemácias e também morreria. De várias maneiras distintas essa passagem não tem absolutamente nenhuma relação possível com alimentos aquecidos em micro-ondas.

*Só para deixar claro: eu também acho que comidas esquentadas no forno convencional são mais crocantes e saborosas do que as aquecidas no micro-ondas. O post não é sobre isso, mas sim sobre o experimento das plantas e os boatos de câncer e outras doenças relacionadas ao micro-ondas.

Atualização: aparentemente, existe uma versão da hoax que diz que o micro-ondas é proibido na Rússia. Tenho alguns amigos que moram lá, já visitei o país pessoalmente e posso atestar: ele NÃO é proibido. Ao que parece, ele foi proibido durante a guerra fria por se tratar de um símbolo do capitalismo, assim como vários outros artigos usados amplamente nos EUA, e não tem nada a ver com alegações de câncer.

 

Fontes:

Post Especial de Fim de Ano: O que, exatamente, é um Chester?

Estamos no fim de ano: época de tirar férias, viajar, reunir família e amigos e beber e comer muito. Messas decoradas cheias de frutas anunciam a ceia farta que está por vir: Tender, Peru, Chester, cheio de acompanhamentos e umas vinte sobremesas. Mas sempre fica aquela dúvida: O que, exatamente, é um Chester?


 

É um frango.

Simples assim. Eu poderia parar o post aqui, mas vou explicar um pouco mais. O Chester é uma linhagem especial de Gallus gallus, também conhecido como galo doméstico, frango ou galinha. O animal foi selecionado geneticamente pela Perdigão ao longo dos anos a partir de uma raça de galos escoceses, para combater o peru de natal da Sadia, na época em que ainda eram duas empresas separadas e concorrentes. Lembre-se que melhoramento genético não quer dizer que a ave seja transgênica. Estamos falando aqui de coisas como cruzamento de linhagens e seleção artificial, mais ou menos comparável a variedades de bananas e raças de cachorros. Leia mais sobre isso neste post aqui.

O nome “Chester” é, na verdade, uma marca registrada da empresa, tanto que as concorrentes tem que usar outros nomes, como “Ave Fiesta”. Esse alimento é maior e possui mais carne que o frango convencional, concentrada principalmente no peito e coxas, além de menos gordura, tornando-se uma boa opção para as festas de fim de ano. Vocês podem checar o rótulo do produto aqui.

Segundo a fabricante, eles não utilizam hormônios nem anabolizantes na criação do animal. Lembrando que tratamento hormonal é extremamente caro e proibido em frangos no Brasil (veja mais no post específico sobre hormônios). Mesmo porquê, eles provavelmente já conseguem atingir o resultado esperado com a boa genética e uma ração repleta de aminoácidos, quase comparável à dieta de pessoas que treinam regularmente em academias. De qualquer forma, se eles de fato alimentassem a ave com hormônios, eles provavelmente também o fariam com os frangos tradicionais e várias outras carnes produzidas – então rejeitar apenas o Chester por esse motivo não seria muito inteligente.

Mudando levemente de assunto: algumas pessoas me pediram pra fazer um post sobre o que acontece com o peru no resto do ano. Achei que não dava material para um post separado, então vou falar sobre isso aqui mesmo. Apesar de estarem em evidência no fim de ano, perus têm um ciclo de vida muito curto e são criados o ano todo. Surpreendentemente, o Brasil é o terceiro maior produtor e segundo maior exportador do mundo de perus. Os principais destinos são a União Europeia e alguns países muçulmanos, onde o peru é utilizado como substituto de porco em alguns frios por causa da proibição religiosa. As aves que não são exportadas seguem para industrialização, onde viram produtos como salsichas, linguiças, presuntos e peito de peru defumado. Ou seja, o peru está sim disponível o ano todo, mas não forma in natura, por conta da falta de tradição cultural de consumo do animal não-processado fora das festas de fim de ano.
Fontes:

 

 

Post Especial de Fim de Ano: O que, exatamente, é um Chester?

Estamos no fim de ano: época de tirar férias, viajar, reunir família e amigos e beber e comer muito. Messas decoradas cheias de frutas anunciam a ceia farta que está por vir: Tender, Peru, Chester, cheios de acompanhamentos e umas vinte sobremesas. Mas sempre fica aquela dúvida: O que, exatamente, é um Chester?

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É um frango.

Simples assim. Eu poderia parar o post aqui, mas vou explicar um pouco mais. O Chester é uma linhagem especial de Gallus gallus, também conhecido como galo doméstico, frango ou galinha. O animal foi selecionado geneticamente pela Perdigão ao longo dos anos a partir de uma raça de galos escoceses, para combater o peru de natal da Sadia, na época em que ainda eram duas empresas separadas e concorrentes. Lembre-se que melhoramento genético não quer dizer que a ave seja transgênica. Estamos falando aqui de coisas como cruzamento de linhagens e seleção artificial, mais ou menos comparável a variedades de bananas e raças de cachorros. Leia mais sobre isso no seguinte post: http://alimentandoadiscussao.com/2013/04/23/polemicas-envolvendo-alimentos-trangenicos/

O nome “Chester” é, na verdade, uma marca registrada da empresa, tanto que as concorrentes tem que usar outros nomes, como “Ave Fiesta”. Esse alimento é maior e possui mais carne que o frango convencional, concentrada principalmente no peito e coxas, além de menos gordura, tornando-se uma boa opção para as festas de fim de ano. Vocês podem checar o rótulo do produto aqui: http://www.perdigao.com.br/produtos/ver/106

Segundo a fabricante, eles não utilizam hormônios nem anabolizantes na criação do animal. Eu acredito que isso seja verdade, já que tratamento hormonal é extremamente caro e elevaria muito o preço do produto. Mesmo porquê, eles provavelmente já conseguem atingir o resultado esperado com a boa genética e uma ração repleta de aminoácidos, quase comparável à dieta de pessoas que treinam regularmente em academias. De qualquer forma, se eles de fato alimentarem a ave com hormônios, eles provavelmente também o fazem com os frangos tradicionais e várias outras carnes produzidas – então rejeitar apenas o Chester por esse motivo não seria muito inteligente.

Mudando levemente de assunto: algumas pessoas me pediram pra fazer um post sobre o que acontece com o peru no resto do ano. Achei que não dava material para um post separado, então vou falar sobre isso aqui mesmo. Apesar de estarem em evidência no fim de ano, perus têm um ciclo de vida muito curto e são criados durante o ano todo. Surpreendentemente, o Brasil é o terceiro maior produtor e segundo maior exportador do mundo de perus. Os principais destinos são a União Europeia e alguns países muçulmanos, onde o peru é utilizado como substituto de porco em alguns frios por causa da proibição religiosa. As aves que não são exportadas seguem para industrialização, onde viram produtos como salsichas, linguiças, presuntos e peito de peru defumado. Ou seja, o peru está sim disponível o ano todo, mas não forma in natura, por conta da falta de tradição cultural de consumo do animal não-processado fora das festas de fim de ano.

Fontes:

– Sobre o Chester: http://ciencia.hsw.uol.com.br/chester.htm e http://pt.wikipedia.org/wiki/Chester_(marca)
– Rótulo do Chester: http://www.perdigao.com.br/produtos/ver/106
– Sobre produção brasileira de perus: http://www.aviculturaindustrial.com.br/noticia/producao-de-peru-ganhara-espaco-na-avicultura-brasileira/20120321174236_R_600

A Farsa da Margarina

Eu nem ia postar nada essa semana, mas recebi o texto abaixo no meu Facebook, e não resisti:

<< A MARGARINA, um produto a eliminar

A margarina foi originalmente fabricada para engordar perús. Mas quando os perús começaram a morrer por causa dela, as pessoas que tinham investido na sua pesquisa começaram a procurar uma utilização alternativa que lhes permitisse, no mínimo, recuperar o investimento.
Foi nessa altura que alguém se lembrou de juntar um corante amarelo àquela que era, até aí, uma substância branca, tornando-a mais apetecível para consumo humano e apresentá-la no mercado como um substituto da manteiga.
Mas será que sabe qual é realmente a diferença entre a margarina e a manteiga?
Vejamos:
– Ambas têm a mesma quantidade de calorias.
– A manteiga tem um pouco mais de gorduras saturadas (8 gramas contra 5 gramas da margarina).
– De acordo com um estudo da Harvard Medical, comer margarina pode aumentar em 53% as doenças cardíacas em mulheres, relativamente
àquelas que comem a mesma quantidade de manteiga.
A manteiga:
– Aumenta a absorção de nutrientes presentes em outros alimentos.
– Traz mais benefícios nutricionais do que a margarina (e os que a margarina tem foram adicionados artificialmente!).
– É mais saborosa que a margarina e pode melhorar o sabor de outros alimentos.
– Existe há séculos e a margarina há menos de 100 anos.
A margarina:
– Triplica risco de doença cardíaca coronária…
– Aumenta o colesterol total e o LDL (este é o colesterol ruim) e diminui o colesterol HDL (o colesterol bom).
– Aumenta o risco de cancro em 500%.
– Reduz a qualidade do leite materno.
– Diminui a resposta imunológica.
– Diminui a resposta à insulina.
E, finalmente, a parte mais interessante e perturbadora:
A margarina está a uma molécula de ser… plástico. E possui 27 ingredientes que existem na…………….tinta de pintar.
Se não está convencido faça a seguinte experiência:
Abra uma embalagem de margarina e deixe-a aberta num local à sombra durante alguns dias. Vai poder constatar algumas coisas muito interessantes:
1.º Não há moscas! (isso deve querer dizer alguma coisa!!!)
2.º A margarina não mostra sinais de apodrecimento, decomposição ou alteração no cheiro.
3.º Não tem bolor. Nada se desenvolve ou cresce nela.
Ou seja, nem as moscas nem os mais pequenos microrganismos se interessam por aquilo. Não há ali nada de bom.
Porquê? Bom, porque a margarina é quase plástico.
Exclua este produto de sua vida. A sua saúde agradece.
Por favor, partilhe esta informação para os seus contatos. A maioria das pessoas consome este produto inocentemente >>

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Esse texto está tão delicioso que eu vou saboreá-lo aos poucos. Vamos lá:

1) Margarina criada para alimentar perus (sem acento, minha gente!): Falso. A margarina foi criada em 1869 pelo químico francês Hippolyte Mège Mouriès, como resposta a um concurso criado pelo imperador Napoleão III, que ofereceu um prêmio para quem conseguisse desenvolver uma alternativa satisfatória para a manteiga, que pudesse ser consumida pelas forças armadas e as classes sociais mais baixas. Posteriormente, a patente foi vendida para uma companhia holandesa que viria a se tornar a Unilever e, bem, vocês já sabem o final dessa história. Na verdade, muitos dos alimentos industrializados têm uma origem semelhante. Por outro lado, nem todos os alimentos foram concebidos inicialmente para consumo humano. A barra de cereais, por exemplo, foi criada para alimentar passarinhos, e não há nenhum problema nisso.

Já no caso dos perus, esses devem ser alimentados com rações contendo principalmente carboidratos e proteínas, assim como a maioria das aves domésticas. Na verdade, utilizamos o termo “engordar” de forma errada, já que na verdade a ave deve ganhar massa muscular, para que tenha maior conteúdo de carne. Ou seja, se você alimentar o peru (ou qualquer ser vivo) exclusivamente com margarina, que é praticamente somente gordura, ele irá morrer mesmo. Fico aqui imaginando um produtor besta ao ponto de chegar a fazer isso e, ao mesmo tempo, inteligente o suficiente (praticamente um gênio do mal) para depois ter tido a brilhante ideia de vender isso para consumidores humanos passarem no pão.

2) Comparação entre manteiga e margarina: aqui aparecem milhares de dados sem nenhuma fonte. As propriedades nutricionais das duas irão variar bastante de marca para marca (vocês podem ver um exemplo de comparação aqui: http://super.abril.com.br/saude/margarina-mais-saudavel-manteiga-620246.shtml ). Resumindo a ópera: apenas a manteiga apresenta colesterol (por ser de origem animal), e ela contém mais gorduras saturadas que a margarina. Já essa apresenta mais gorduras trans. Ou seja, o consumo das duas em excesso irá gerar aumento do colesterol ruim e todos os problemas que podem decorrer disso.

O que me chamou a atenção foi a parte do estudo de Harvard. Eu fui conferir e esse estudo é dos anos 80, uma época em que as margarinas tinham 30% de gorduras trans, a qual ainda não tinha sido estudada por completo. Depois de descobertos os efeitos nocivos da alta ingestão desse tipo de gordura à saúde, as indústrias reduziram essa proporção para abaixo de 10%, sendo que é possível encontrar marcas que fornecem produtos com menos de 1%. Acho importante ressaltar que a maior incidência de doenças cardíacas (e outros problemas relativos ao colesterol) está associada à gordura trans e não à margarina per seLembrando também que vários outros produtos apresentam esse tipo de gordura, incluindo biscoitos, bolos, massas, sorvetes, etc.

3) Meu benefício é mais benéfico que o seu: Também não encontrei esses milagres da manteiga citados pelo autor em nenhuma fonte. Mas queria chamar atenção para o seguinte fato: um nutriente ser adicionado a um alimento não o faz menos benéfico do que se ocorresse naturalmente. Aliás, adicionam-se diversos minerais e vitaminas em alimentos do dia-a-dia para suprir sua carência na população – exemplos: ferro e ácido fólico na farinha de trigo; iodo no sal; flúor na água; entre outros – e não vejo ninguém desmerecendo esses alimentos e pedindo para trocá-los por outros que tenham “benefícios naturais”.

Já o sabor é uma questão pessoal – eu, pessoalmente, também prefiro a manteiga – e não tem relação nenhuma com a nutrição e muito menos com segurança de um alimento. O mesmo se aplica para o fato de um alimento existir há séculos. Se fosse assim, ninguém deveria usar celulares ou carros, já que foram desenvolvidos muito recentemente. É o tipo de argumento que não tem sentido algum.

4) A margarina está a uma molécula de ser plástico: essa é a minha parte favorita. Sabia que a água está a apenas uma molécula de ser solução de ácido clorídrico concentrada? É verdade, só falta a molécula de HCl. Aliás, está ainda mais próxima de ser água oxigenada, só falta um átomo de oxigênio. Sabem o que isso tudo quer dizer? Nada. Nós não medimos as substâncias por “distância de quantas moléculas” de serem outras, já que isso não faz o menor sentido quimicamente. Um único átomo pode alterar completamente as propriedades – e a periculosidade – de um composto.

O mesmo se aplica para os 27 ingredientes da tinta de pintar (aliás, tem outro tipo de tinta?). Lembrando que tanto o plástico quanto a tinta são polímeros e podem ser milhares de compostos orgânicos diferentes, e muitos deles têm estrutura semelhante a alimentos sim, já que proteínas, carboidratos e gorduras também são polímeros – inclusive, os primeiros plásticos e tintas eram feitos de leite. Pegando esse gancho, queria deixar claro que a própria estrutura molecular das moléculas que compõem manteigas e margarinas são muito semelhantes entre si; ou seja, as duas parecem certos tipos de plástico.

5) A margarina não estraga: Falso. Tanto a margarina como a manteiga devem ser mantidas sob refrigeração e têm prazos de validade. Só que sua deterioração está mais associada à oxidação da gordura, a qual leva à rancificação do produto. Esse processo é favorecido pela incidência de luz (note que o autor manda fazer o teste num local à sombra). Ambos os produtos são muito gordurosos e com baixo teor de água, não apresentando condições para o desenvolvimento da maioria dos micro-organismos deteriorantes, incluindo os bolores. Insetos como moscas e formigas podem ser atraídas por açúcares, os quais fazem parte da sua dieta, mas não serão atraídos por um produto que é basicamente constituído apenas de gordura.

Para fechar: essa hoax já existe na internet desde 2003! Isso é bem típico de Facebook: pegar uma corrente de e-mails de 10 anos atrás e transformar em compartilhamentos sensacionalistas…Quando vamos parar com essa prática?

Fontes:

– Texto original: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=582183195176301&set=a.101615653233060.2047.100001538766062&type=1

– Criação da margarina: http://www.imace.org/about-margarine/history/ [em inglês]

– Mais sobre a história da margarina: http://mentalfloss.com/article/25638/surprisingly-interesting-history-margarine [em inglês]

– Sobre criação de perus: http://www.mundodasaves.com/t620-tudo-sobre-criacao-de-peru

– Exemplo de comparação nutricional manteiga x margarina: http://super.abril.com.br/saude/margarina-mais-saudavel-manteiga-620246.shtml

– Pessoa que testou a manteiga e descobriu que também não estraga: http://pausapraprosa.blogspot.com.br/2007/01/teste-da-margarina-ii.html

– Sobre qualidade e armazenagem de margarina: http://www.ufrgs.br/Alimentus/feira/prlegum/margarina/atributosdequalidade_base.htm

– Sobre oxidação de lipídios: http://www.insumos.com.br/aditivos_e_ingredientes/materias/209.pdf

– Outros sites que analisaram a hoax: http://www.snopes.com/food/warnings/butter.asp e http://www.heartfoundation.org.nz/healthy-living/healthy-eating/food-for-a-healthy-heart/replace-butter/myth-busting-butter-versus-margarine [em inglês]

– Informações gerais sobre margarinas: http://en.wikipedia.org/wiki/Margarine [em inglês]

Sobre Kit Kat, Óleo de Palma e Orangotangos

Recentemente, recebi o texto e vídeo a seguir no meu Facebook:

<< BOMBA! SAIBA DO QUE É FEITO KIT KAT , VOCÊ NUNCA MAIS VAI QUERER COMER!

Gosta de Kit Kat? Não assista o video a seguir. A iniciativa veio Greenpeace com mais uma de suas campanhas polêmicas contra alguma marca. A marca da vez é a Kit Kat, da Nestlé, que utiliza oléo de palma como matéria prima para o chocolate. O problema é para cultivar o óleo de palma as florestas da Indonésia estão sumindo, ameaçando todas as espécies da fauna e causando a extinção dos orangotangos do local. Utilizando o famoso conceito “Have a Break?” daKit Kat, o Greenpeace lançou um vídeo pra lá de bizarro, pedindo para que o mundo se informe sobre toda a situação e que a própria marca ‘dê um tempo’ para as florestas e lançaram um site sobre o assunto

http://www.youtube.com/watch?v=qa_29M4NnJw  >>

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Eu confesso que enrolei um pouco para soltar esse post porque achei que iria dar um trabalho absurdo para pesquisar. Só que não deu. Bastou uma pesquisa rápida para descobrir que a polêmica era de 2010 e já está praticamente resolvida! A Nestlé (e muitas outras empresas de alimentos e cosméticos) realmente utilizavam óleo de palma proveniente de desmatamento de florestas tropicais nativas da Indonésia, que são os lares de uma espécie de orangotango ameaçada de extinção. Após a denúncia do Greenpeace, as empresas se comprometeram a parar de comprar a matéria-prima desse tipo de fornecedores, e passaram a exigir que o óleo fosse certificadamente de fontes sustentáveis, exigindo o selo RSPO (http://www.rspo.org/media/RSPO_Trademark_Logo.png). O próprio Greenpeace comemorou isso como uma vitória (vide fontes). Mas vamos fazer uma mini-análise:

O óleo de palma nada mais é do que aquele extraído da polpa do fruto da palmeira Elaeis guineensis, nativa da África, porém cultivada em diversas regiões tropicais, incluindo a América do Sul e o sudeste asiático (não deve ser confundido com o óleo de palmiste, que é extraído da semente do mesmo fruto). Nós o conhecemos no Brasil como azeite de dendê, utilizado tradicionalmente na culinária nordestina. Além das aplicações nas gastronomias locais, o óleo é extremamente utilizado na indústria, já que possui algumas características interessantes: alto teor de vitaminas (principalmente vitamina A), propriedades antioxidantes e de combate ao colesterol, alta capacidade de hidratação, entre outras. Além da utilização para a formulação de alimentos, o produto também é empregado na indústria de cosméticos, fármacos e até biodiesel.

Para indústria alimentícia, sua importância está no fato de ser um dos poucos óleos vegetais que apresenta alto teor de gorduras saturadas, o que facilita sua aplicação em alimentos sólidos como margarinas, bolos, biscoitos, chocolates, sorvetes, etc. Já as gorduras insaturadas costumam ser líquidas e requerem o processo de hidrogenação para esse tipo de aplicação, o qual é caro e pode gerar compostos indesejáveis, como as gorduras trans. Geralmente, o óleo de palma aparece nos rótulos sob os pseudônimos de “óleo vegetal” ou “gordura vegetal” (caso do Kit Kat), mesmo porque costuma ser utilizado em combinação com outros tipos de óleo vegetal, como o de soja ou o de milho. Existem alguns óleos vegetais que podem ser utilizados como substitutos – entre eles o de oliva, o de coco e o de semente de uva – porém, em geral, são muito mais caros e não são produzidos em tão larga escala, o que torna sua aplicação inviável na indústria.

Como as empresas precisam continuar a usar o óleo de palma até que se encontre uma alternativa plausível, sou super a favor de que essa (e qualquer outra) matéria-prima para a produção de alimentos venha de fontes sustentáveis, na medida do possível. Mas não sejamos hipócritas: diversos alimentos produzidos em larga escala geram impactos ambientais – exemplos: agricultura de grãos como soja e milho, criação de bovinos, pesca, etc. No lugar de ficar falando “vou parar de comer tal coisa”, o ideal é desenvolver tecnologias que aumentem a produtividade e causem cada vez menos impacto ambiental; além de soluções eficientes de transporte e distribuição, a fim de minimizar o desperdício. Esse é o desafio dos agrônomos; o meu, como engenheiro de alimentos, é exigir dos práticas sustentáveis dos meus fornecedores e processar essa matéria-prima da melhor forma possível, visando fornecer aos consumidores um produto seguro, com qualidade e praticidade, na escala e na forma que eles demandam.

Talvez o título do post tenha dado a impressão de que eu iria falar mais sobre orangotangos. Infelizmente, não sei nada sobre eles. Para quem viu o vídeo e achou que realmente existiam dedos de símios dentro da embalagem do chocolate, eu só lamento. Agora fica uma dica: não custa nada pesquisar a origem das informações que aparecem no nosso Facebook antes de sair compartilhando. Não demorei nem 5 minutos para descobrir que a campanha era de 2010 e  o caso já estava encerrado. E, por favor, parem de divulgar vídeos antigos como se fossem recentes.

Fontes:

– Análise do boatos.org: http://boatos.org/meio-ambiente/informacao-kit-kat-feito-oleo-palma-desatualizada.html

– Comprometimento da Nestlé com o óleo de palma sustentável: http://www.nestle.com/media/Statements/Update-on-deforestation-and-palm-oil [em inglês]

– Posicionamento do Greenpeace: http://www.greenpeace.org/international/en/about/history/Victories-timeline/Nestle/ [em inglês]

– Apanhado geral sobre o óleo de palma: http://en.wikipedia.org/wiki/Palm_oil [em inglês]

– Sobre impactos ambientais e alternativas: http://lookaholic.wordpress.com/2013/05/13/oleo-de-palma-e-seus-impactos-ambientais/

– Rótulo do Kit Kat: http://www.nestle.com.br/site/marcas/KitKat/chocolates/KitKat.aspx

Entrevista do Alimentando a Discussão no Food Safety Brazil

Fala pessoal,

O blog Food Safety Brazil é um blog interativo sobre segurança de alimentos, administrado pela colega de profissão Juliane Dias. Recentemente, dei uma entrevista para eles, a qual vocês podem conferir na íntegra aqui: http://foodsafetybrazil.com/blog-alimentando-a-discussao/

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Para quem se interessa pelo tema, vale a pena dar uma olhada no conteúdo do blog. Ele conta com diversos profissionais da área como colunistas, incluindo engenheiros, tecnólogos e cientistas de alimentos, químicos e advogados. Meu post favorito é o das larvas no chocolate: http://foodsafetybrazil.com/o-que-sao-estas-larvas-no-meu-chocolate/

Queria agradecer à Juliane pela oportunidade, e prevejo parcerias entre os nossos blogs no futuro 🙂

Alimentando a Discussão em 1º Lugar no WordPress BR!

Uau! Não tenho palavras para descrever como fiquei contente com o resultado do meu último post.

Imaginei que ele iria ser popular, mas nunca achei que seria nessa proporção. Para vocês terem ideia, em geral tenho uma média de 250 visualizações diárias no meu blog. Na última 6ª feira (20/09), tive mais de 13.000! Tanto que o post da “Coca-Cola com Cabeça de Rato” chegou a ficar em 1º lugar entre os blogs do dia do WordPress escritos em português brasileiro, na frente de assuntos como: julgamento do mensalão, papa Francisco e o caso da Unimed que teve que pagar o transplante.

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O post já foi visto quase 25 mil vezes desde a publicação (4ª feira), e os números continuam subindo.

Queria agradecer muito a todo mundo que leu, comentou, compartilhou e divulgou para os amigos. E também para aqueles que elogiaram, criticaram, debateram, e até os que me xingaram. Vocês fizeram exatamente a proposta do blog: alimentaram a discussão.

É claro que tiveram aqueles que me chamaram de vendido, mandaram eu enfiar uma garrafa de coca-cola no c* e etc…Mas recebi muito mais respostas positivas, tanto de amigos quanto de colegas de profissão e até mesmo ex-professores e outros acadêmicos 🙂 .

Esse reconhecimento só faz querer tornar o blog ainda maior e melhor! Obrigado 😀

Coca-Cola com Cabeça de Rato

Nossa, acho que esse é um dos posts mais pedidos dos últimos tempos. Ainda não tenho todas as informações que gostaria para fazer um post completo, mas vou fazer uma análise com o que tenho agora. Qualquer coisa, eu adiciono mais informações no futuro.

Tudo começou com esse vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=9wq3kmLscSE

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O vídeo é realmente surpreendente, mas existem várias afirmações suspeitas e suposições confusas e contraditórias. Vou tentar analisar cada uma delas, mas antes queria deixar claro que o processo é real, só que o incidente ocorreu em 2000 (ou seja, faz 13 anos), e ainda está aguardando uma conclusão da justiça. Segundo a reportagem, o homem desenvolveu a doença por causa de um suposto veneno de rato que estava misturado à bebida, da qual ele possui inclusive uma garrafa que contém uma cabeça de rato preservada. O requerente afirma que tomou apenas meio gole do líquido, o qual teria hipoteticamente corroído suas entranhas e causado sequelas irreversíveis, como convulsões e deficiência de locomoção.

Diferentemente do que está sendo divulgado em algumas mídias, o pH baixo do refrigerante não é capaz de causar os sintomas apresentados. Isso porque a maioria dos alimentos que comemos são ácidos, e nosso sistema digestivo é adaptado para lidar com isso. O pH da coca-cola não é muito diferente do de outros refrigerantes ou de um suco de limão, por exemplo. Aliás, é bem semelhante ao do próprio suco gástrico do estômago, onde ocorre parte da digestão. Lembrando que, no intestino, onde ocorre a absorção dos nutrientes, o pH é básico e neutraliza os ácidos que chegarem lá antes que possam passar à corrente sanguínea. Enfim, para causar sintomas adversos, o refrigerante precisaria conter algo não usual*.

Nesse sentido, muitas fontes estão demonizando o corante caramelo IV como o vilão da estória, dizendo que ele é altamente cancerígeno, e que os refrigerantes brasileiros apresentam uma quantidade exorbitante do aditivo quando comparada àquelas presentes na bebida feita no exterior. Existem várias inverdades nessas afirmações (vou detalhar mais adiante ), mas a título de curiosidade: o corante caramelo é obtido através do aquecimento de carboidratos alimentícios, a certas temperaturas e pressões, em contato com alguns reagentes específicos. Não é muito diferente do caramelo caseiro, e pode ser empregado em bebidas, achocolatados, balas, doces, biscoitos, molhos (principalmente contendo shoyu), salsichas, pães, etc. Para os engraçadões do “vamos beber cerveja que é mais seguro”, ela é uma das maiores aplicações do corante. No caso específico dos refrigerantes, utiliza-se o 4-metilimidazol (4-MEI) ou caramelo IV, obtido a partir da reação de açúcares com reagentes contendo nitrogênio e enxofre.

Toda essa hostilidade vem de uma pesquisa independente da organização CSPI (Center for Science in the Public Interest), ainda não publicada na íntegra, que propõe uma possível correlação da ingestão de altas doses do corante com o desenvolvimento de tumores em ratazanas (note como isso é bem diferente de “altamente cancerígeno para humanos”). Todos os outros organismos internacionais reguladores de segurança de alimentos consideram que não há evidências suficientes de que o composto é cancerígeno nas doses presentes nas bebidas (seria necessário tomar mil latas por dia para atingir os índices ministrados aos ratos), incluindo: o Codex Alimentarius, o European Food Safety Authorty (EFSA), a Anvisa (que é a autoridade brasileira), e até mesmo o FDA (que é a autoridade nos Estados Unidos).

Ao contrário do que se afirma por aí, o único local que acatou esse estudo foi a Califórnia, que reduziu os níveis de caramelo IV para 4 microgramas/lata. No Reino Unido, esse nível é de 145 e mesmo em Washington, nos EUA, é de 144 (vide fontes). No Brasil, o nível é de 267 microgramas/lata, que está dentro dos padrões da Anvisa, que permite um limite máximo de 50000 microgramas por quilo (quase três latas). Inclusive, a própria Coca-Cola se manifestou sobre o caso, afirmando que está dentro padrões nacionais e internacionais de qualidade e segurança (o que é verdade) e está aguardando a definição da justiça. Por fim, o próprio CSPI diz que os consumidores devem se preocupar mais com a quantidade exorbitante de açúcar nas bebidas carbonatadas (que comprovadamente pode levar à obesidade, cáries e/ou diabetes) do que com o suposto potencial carcinogênico do caramelo IV.

Voltando ao processo judicial, ele é aberto e está disponível para consulta (vide fontes). Eu verifiquei e achei no mínimo curioso o fato de o requerente ter não ter comparecido à perícia médica e psicológica nos dias 21 a 28/08/2006, e nem ter apresentado justificativa para tal. Os resultados dessas análises provavelmente atuariam muito em seu favor no processo, caso ele tenha razão. Outra coisa bastante esquisita é o fato de ninguém mais ter reclamado da bebida desse lote. Problemas de envase, apesar de infrequentes, realmente podem ocorrer (veja caso do Ades: http://alimentandoadiscussao.com/2013/03/18/recentes-casos-de-bebidas-contendo-soda-caustica/), mas é impossível que seja numa única garrafa. Fica a pergunta: por que não houve reclamações (sobre sintomas e corpos estranhos) de outros consumidores do produto no mesmo local e na mesma época? Não existe maneira de a empresa ter um recall tão eficiente a partir da reclamação do requerente, de modo que nenhum outro cliente registrasse queixa.

Agora gostaria de focar um pouco no rato. Eu já trabalhei na Coca-Cola**, e especificamente na envasadora FEMSA, que comprou o que era a antiga Spal (pivô da polêmica), e acompanhava diariamente os processos produção, envase e qualidade da empresa. Com base na minha experiência, digo que é extremamente improvável que uma cabeça rato seja envasada dentro de uma garrafa de refrigerante (já que existem inúmeros controles automáticos e humanos, além das próprias restrições físicas da linha), a não ser que seja intencional. Isso mesmo, existem casos de funcionários insatisfeitos com a companhia que colocam deliberadamente corpos estranhos dentro das embalagens de alimentos, como forma de “vingança”, e talvez tenha sido o caso.

Entretanto, se não estamos falando de uma possível sabotagem, ficam várias perguntas: Como o rato teria entrado lá, se o diâmetro do gargalo é tão pequeno? Isso foi durante o envase ou antes, na garrafa vazia? Cadê o resto (corpo) do rato? Até concordo com alguns argumentos de que os ácidos presentes no refrigerante (carbônico e fosfórico) não são tão fortes para dissolver inteiramente a cabeça de um rato (principalmente na ausência de oxigênio), mas o líquido também não é formol para preservar o tecido intacto por 13 anos, mesmo porquê haveria degradações microbiana e enzimática envolvidas. Aliás, a suposição do tal veneno de rato é completamente arbitrária e não foi identificada por nenhuma análise laboratorial.

Falando em análises, tem a questão do lacre que foi considerado inviolado pela perícia que conduziu o processo. Infelizmente, isso é muito fácil de se fraudar: basta ter uma tampa e uma recravadeira – que, apesar do nome chique, é apenas uma ferramenta que realiza o fechamento das garrafas – disponível em qualquer fabricante artesanal de bebidas, como esses suquinhos sem marca. Lembro de ter tido contato com o pessoal do SAC durante minha passagem pela Coca-Cola, e era bastante comum casos em que as pessoas colocavam objetos e animais no refrigerante para poder obter indenizações. Pessoalmente, eu acredito que trata-se de algo desse tipo, principalmente por causa da cor do líquido em torno da cabeça do rato (de amarelo a vermelho), bastante não-característica da bebida. Mas enfim, eu posso estar errado.

*PS: Não vou discutir aqui coisas do tipo: “coca-cola desentope privada”, “coca-cola remove ferrugem de prego” ou “coca-cola derrete os ossos”. Lembre-se que você não é uma privada nem um prego, e seus ossos não ficam dentro do estômago. Para mais informações sobre esses e outros mitos, veja esse site:  http://www.cocacolabrasil.com.br/verdades-e-boatos/

**PS2: Eu trabalhEI na Coca-Cola, não trabalho mais. Ou seja, não sou patrocinado por eles nem tenho nenhum interesse (econômico ou social) em defender a empresa.

Fontes:

– Análise do E-farsas: http://www.e-farsas.com/consumidor-encontra-cabeca-de-rato-em-garrafa-de-coca-cola.html

– Sobre corante caramelo: http://www.medclick.com.br/alimentacao/corante-caramelo-o-que-e-4-metilimidazol-mei.html

– Estudo do CSPI (não se deixe enganar pelo subtítulo alarmista): http://www.cspinet.org/new/201206261.html [inglês]

– Texto com título péssimo, mas que contém o posicionamento do FDA e do EFSA: http://www.inopat.com.br/blog/?p=88

– Posicionamento oficial da Anvisa (muito bem explicado): http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f681d6804adf50d7ae71afa337abae9d/Informe_Tecnico_n_48_de_10_de_abril_de_2012.pdf?MOD=AJPERES

– Resposta da Coca-Cola ao caso: http://www.cocacolabrasil.com.br/verdades-e-boatos/interna/sobre-corpo-estranho-encontrado-e-relatado-na-imprensa/

– Site para consultar o processo judicial: http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/show.do?processo.codigo=2SZX4KPVY0000&processo.foro=100# (clicar em “listar todas as movimentações”)

Jujubas de Carne

Esses dias, me mandaram uma publicação no facebook, que continha a foto abaixo, seguida de vários comentários de pessoas horrorizadas com a descoberta:

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Para quem não sabe, a gelatina é uma mistura de proteínas e polipeptídeos, feita a partir do colágeno hidrolisado. O colágeno está presente exclusivamente em tecidos animais, principalmente nos tecidos conectivos e musculares, compondo tendões, cartilagens e outros ligantes da pele, ossos e chifres. A gelatina é obtida comercialmente através da fervura em água (ou solução ácida diluída) desses tecidos, que faz com que o colágeno seja quebrado e solubilizado. Depois, a mistura é clarificada e seca. Para formar a gelatina em pó, o produto é moído e peneirado. As principais fontes de gelatina como alimento são o colágeno bovino e suíno, porém existem outras, como caprinos, equinos e peixes.

Além da aplicação doméstica, a gelatina é muito utilizada na indústria de alimentos, principalmente em sobremesas e doces como pudins, mousses, flans, bolos, sorvetes, iogurtes, balas e a famigerada jujuba. A gelatina também é utilizada como espessante e/ou estabilizante em diversos produtos, incluindo laticínios (margarinas, queijos, cremes) e molhos. Em alguns países (e, antigamente, no Brasil), a gelatina era utilizada em vários produtos lights que tinham redução de gordura, afim de criar uma textura cremosa para compensar a falta dos lipídeos. Fora as aplicações em alimentos, também se utiliza a gelatina nas seguintes indústrias: farmacêutica; cosméticos; produtos de higiene pessoal; produtos de limpeza doméstica; fotografia; produção de colas e tintas.

Portanto, se alguém for vegetariano, basta verificar se o produto contém gelatina em sua composição. Alguns alimentos vêm substituindo o uso da gelatina por outros aditivos, incluindo gomas de origem vegetal ou bacteriana, como guar, xantana, arábica, gelana e carragena. Para substituir o uso doméstico, o mais comum é o ágar-ágar, extraído de algas. Essas também são alternativas para certas religiões (judaísmo, islamismo, hinduísmo) que proíbem o consumo de alguns animais ou requerem abates especiais, mais difíceis de se rastrear a partir da gelatina do que da carne.

Nesse contexto, a gelatina nada mais é do que um subproduto das indústria de carnes e de couro. Ou seja, os animais não são mortos especificamente pelo colágeno, mas esses tecidos podem ser aproveitados por diversas indústrias. Já me posicionei, em outros posts , a favor do aproveitamento máximo da matéria-prima animal de qualidade: nos nuggets (http://alimentandoadiscussao.com/2013/07/02/nuggets-feitos-de-meleca-rosa/); no caldo de carne (http://alimentandoadiscussao.com/2013/04/24/caldo-de-carne-que-nao-contem-carne/); nos hambúrgueres (http://alimentandoadiscussao.com/2013/04/03/hamburguer-de-minhoca-do-mc-donalds/) e na salsicha (http://alimentandoadiscussao.com/2013/03/21/salsicha-com-jornal/).

Sendo assim, é importante frisar que matéria-prima para a produção de gelatina são animais saudáveis e liberados para consumo, portanto não há nenhum problema de segurança ou higiene associado ao seu consumo. Muito pelo contrário, o consumo de colágeno é associado à saúde e beleza da pele, unhas e cabelos. Como aditivo, a gelatina é liberada e considerada como segura pelas legislações nacionais e internacionais.

Bom, esclarecendo a imagem: jujubas e gomas de mascar não são feitas de carne. As segundas não são nem sequer feitas de gelatina, mas sim de resina de árvores (goma natural) ou de polímeros derivados do petróleo (goma sintética). Por esse motivo, não tratei delas aqui (podemos deixar para um próximo post). Já as jujubas e vários outros produtos contêm gelatina – a qual tem origem animal sim, mas também não é exatamente carne.

Fontes:

– Imagem original: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=662766590418704&set=a.465641716797860.116786.464412113587487&type=1&theater

– Sobre gelatina: http://en.wikipedia.org/wiki/Gelatin

– Benefícios da gelatina na dieta: http://www.minhavida.com.br/alimentacao/materias/1819-gelatina-beneficios-nao-so-para-a-dieta#.UijrH8bkuuY

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Pessoal, agora o blog tem uma Fan Page no Facebook!

Será um espaço não somente para divulgar novos posts, como também onde eu colocarei notícias e curiosidades sobre alimentos.

Vou utlizar a página para centralizar as sugestões de posts, que já começaram a se acumular 🙂 . Também discutiremos dúvidas, críticas, reclamações e elogios envolvendo o conteúdo e a estrutura do blog!

Tá esperando o quê? Corre lá para curtir 😀

Hambúrguer de Laboratório

Recentemente, saiu nas mídias a notícia do primeiro hambúrguer de laboratório produzido e testado por cientistas holandeses. Vocês podem acompanhar alguns exemplos na íntegra nas fontes (ao final do post), vou colocar aqui um resuminho:

<< O hambúrguer é preparado a partir de células-troncos extraídas do músculo do pescoço de vacas adultas. Essas células são replicadas in vitro em meio de cultura nutritivo sob condições controladas, a fim de que se diferenciem em células musculares (ou seja, carne). Milhões de células são obtidas, formando pequenas tiras de carne bovina (~ 1cm x 1mm) que são agregadas e congeladas. Por causa da ausência do pigmento mioglobina (o qual dá a coloração vermelha no hambúrguer tradicional), esse agregado foi colorido com suco de beterraba antes de ser preparado. Também fizeram parte da receita algumas especiarias, como em todo hambúrguer.

Os cientistas acreditam que esse procedimento poderá ser, no futuro, um substituto interessante para a criação de bovinos, ajudando a solucionar o problema da fome no mundo. Lembrando que o processo evitaria problemas de bem-estar animal, podendo ser consumido inclusive por vegetarianos. Além disso, eles também ressaltam a questão ambiental, já que a alternativa consumiria menos energia e água, geraria menos gases estufa e, principalmente, diminuiria o avanço do desmatamento. O problema, por enquanto, é o custo: R$750 000 por hambúguer. >>

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Ok, vamos lá. Inicialmente, queria mostrar meu respeito e minha admiração pelos cientistas da Universidade de Maastricht. Acho muito interessante que uma equipe tenha conseguido desenvolver uma tecnologia desse calibre, e fico imaginando o tempo e trabalho que isso deve ter levado. Provavelmente, essa pode ser a pioneira de muitas pesquisas envolvendo células-tronco voltadas para a ciência dos alimentos. Dito isso, gostaria de fazer algumas críticas e algumas reflexões sobre o tema.

Para mim, o argumento malthusiano para resolver a fome do mundo não funciona. Afinal, a produção mundial de alimentos é suficiente sim para suprir a demanda. Existem dois motivos, muito interligados, pelos quais existe tanta gente que passa fome: a má distribuição dos alimentos e o desperdício. Ou seja, não é produzindo mais comida – ou especificamente carne bovina –  nem deixando de comer carne (e nem substituindo-a por outra coisa) que resolveremos esse problema. A solução é aprender a transportar, armazenar, processar e consumir com consciência (aliás, isso também ajuda a resolver o problema do lixo). E, claro, garantindo que toda a população tenha acesso ao alimento produzido.

Por falar em alimentos acessíveis, R$750000 é, definitivamente, um preço inviável comercialmente, mesmo para os consumidores mais ricos. Quero dizer, se já está sendo difícil viabilizar o processo com células-tronco para produção de tecidos e órgãos para transplante, imaginem para produzir comida. Não sou profeta nem vidente, mas acho que mesmo daqui a 1000 anos o custo do hambúrguer de laboratório não será comparável ao da criação tradicional de bovinos. Mas eu posso estar errado.

Continuando: sobre a questão dos vegetarianos, perguntei para alguns amigos se eles experimentariam o produto. Uns disseram que sim e outros que não. O fato é que vários vegetarianos não consomem carne não apenas pela questão do bem-estar animal, mas também porque não gostam do sabor ou  acham que a carne faz mal à saúde. E mesmo para aqueles que inicialmente não tinham esse pensamento, após anos seguindo a dieta, a carne passa a ter sabor desagradável e pode causar mal-estar gastro-intestinal pela falta de costume do consumo. O fato o seguinte: o mercado do hambúrguer de laboratório para vegetarianos não é assim tão promissor.

Voltando à questão do bem-estar animal, gostaria de deixar bem claro que a maioria dos grandes abatedouros de gado bovino são extremamente limpos e modernos, nos quais os animais não passam por muito sofrimento (exceto para casos religiosos, como Kosher e Halal). O abate com pistola de ar é rápido e indolor, e a degola e sangria são feitas após a morte do animal. E isso não somente pela questão “humana”:  as carnes de animais que não passam por períodos de tensão (dor, medo, stress, etc.) costumam ser mais macias e saborosas – ou seja, o bem-estar animal gera um produto de melhor qualidade.

Nesse sentido, o hambúrguer de laboratório não parece apresentar tanta vantagem em relação ao tradicional, mesmo porque ele ainda depende da extração de matéria-prima do gado. Isso requer a existência de criação e abate, mesmo que em menor quantidades. Talvez, no futuro, seja possível tornar o processo auto-suficiente (independente da renovação da célula-tronco originária do animal), e então o argumento fará mais sentido. Já sobre a questão ambiental é difícil de medir: por um lado, um rebanho menor de fato polui menos, desmata menos e gasta menos recursos. Entretanto, não sabemos exatamente quantos recursos seriam gastos com o procedimento de laboratório aplicado em larga escala.

Por fim, gostaria de deixar uma última reflexão: qual hambúrguer não é de laboratório? Afinal, temos um gado geneticamente selecionado ao longo dos anos, o qual come uma ração desenvolvida em laboratório e toma vacinas e medicamentos fabricados em laboratórios. Sua carne é processada em equipamentos testados em laboratórios, adicionada de ingredientes e aditivos feitos em laboratório. Na minha opinião todo hambúrguer (e praticamente toda comida) é, de uma certa forma, feito em laboratório. E o mais legal: não há absolutamente nenhum problema nisso.

Fontes:

– Notícias sobre o hambúrguer de laboratório: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/06/1288236-hamburguer-com-carne-de-laboratorio-custa-us-325-mil.shtml ; http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/bbc/2013/08/05/cientistas-produzem-primeiro-hamburguer-de-laboratorio.htm

 

PS: Esse post me lembrou um pouquinho da hoax do hambúrguer feito de fezes humanas: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/05/17/hamburguer-feito-de-fezes-humanas/

+ de 10.000 Visualizações!

Pessoal, estou postando para comemorar o fato de que meu blog atingiu hoje a marca das 10.000 visualizações!

Em menos de 5 meses de existência e 26 posts efetivos (excluindo os de divulgação), já tive visitas de mais de 40 países diferentes, em todos os continentes do mundo (ok, menos na Antártica).

Obrigado a todo mundo que lê, comenta, divulga, elogia, critica e deixa aqui suas sugestões. Vocês são o motivo de tanto sucesso e o blog não existe sem vocês! 😀

E pensar que, há apenas 3 meses atrás, eu estava comemorando a marca dos 1.000… E agora, rumo aos 100.000? Não custa sonhar 😉

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O Que Significa Azeite Extra Virgem?

Alguns post atrás, uma leitora me mandou a seguinte sugestão, que eu resolvi transformar em post:

<< Olá Pedro. Muito bom seu blog. Gostaria de sugerir um assunto para um post futuro: Azeites. Diferenças entre azeite extra virgem, virgem e composto, como entender os dizeres nos rótulos, o que quer dizer a expressão “primeira prensagem a frio”, como entender a acidez do azeite e outros assuntos relacionados O Ministério da Agricultura determinou alterações nos rótulos de azeite desde o ano passado, mas só agora podemos encontrar nos mercados produtos com os rótulos novos. Como ajudar o consumidor a escolher um azeite de qualidade e não comprar “gato por lebre”. Abraços. >>

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Bom, para responder, vou dividir em três palavras: azeite, extra e virgem. Azeite é a denominação comum dada aos óleos (ou seja, lipídeos líquidos à temperatura ambiente) extraídos de frutas, como a oliva (=azeitona) e o dendê. O azeite de oliva, proveniente das regiões mediterrâneas, é muito apreciado no mundo inteiro para uso culinário (principalmente como tempero), sendo seu consumo associado a uma dieta saudável. As caracterísitcas sensoriais (sabor, aroma, cor, textura) do azeite irão depender de fatores como: variedade do cultivar da azeitona; grau de maturação do fruto; modo de colheita, armazenagem e extração do óleo, dentre outras. Diferentemente do que algumas pessoas pensam, o fato de o óleo ser mais “verdinho” ou “brilhante” nada quer dizer sobre sua qualidade.

Como todo óleo vegetal, o azeite de oliva pode ser extraído por métodos químicos ou físicos, sendo os últimos preferidos. Aqui, virgem significa que a extração foi feita exclusivamente por ação mecânica (prensa), sem utilização de reagentes químicos nem de processamentos térmicos, que são procedimentos comuns na indústria de oleaginosas.  A extração mecânica consiste basicamente na moagem e prensagem da matéria-prima, separando a parte líquida da parte sólida. Na parte líquida, o óleo é imiscível com a água, e se separa dessa por diferença de densidade, processo que pode ser acelerado utilizando-se uma centrífuga. Por fim, o óleo pode ou não ser filtrado, para se retirar alguns sólidos em suspensão (isso às vezes também é explicitado no rótulo).

Nesse sentido, “primeira prensagem a frio” tem quase o mesmo significado que “virgem”. O fato é que ainda sobra um pouco de óleo no bagaço de oliva após a prensagem, porém o mesmo não pode ser extraído exclusivamente por sucessivas prensas (o que torna a frase redundante), devendo se empregar processamentos com altas temperaturas e/ou solventes orgânicos, como o hexano. Esse azeite, denominado “óleo de bagaço de oliva“, apresenta um valor comercial bem mais baixo, já que seu tratamento mais agressivo acaba fazendo com que perca certas propriedades sensoriais e nutricionais caracterísitcas.

O termo do meio, extra, está relacionado à acidez do produto. Todos os lipídeos apresentam uma certa quantidade de ácidos graxos livres, que costumam ser indesejáveis por questões sensoriais e toxicológicas. Por esse motivo (principalmente), a maioria dos óleos vegetais são refinados, a fim de se remover esses componentes e de se adequar o produto ao consumo humano. Entretanto, olivas de boa qualidade e manipuladas (cultivadas, colhidas, armazenadas) corretamente, apresentam uma acidez bruta pequena e tolerável, podendo o seu óleo ser consumido sem refino. Segundo a Anvisa, o azeite de oliva extra virgem deve ter acidez máxima de 0,8% em massa, expressos em ácido oleico (principal ácido graxo presente no azeite).

A Anvisa também define esse parâmetro para outras denominações. O azeite de oliva virgem (reparem na falta do “extra”), por exemplo, pode ter até 2% de acidez. No caso de olivas de baixa qualidade, cujo óleo excede esse limite, o azeite deve ser refinado por outros processos físico-químicos até atingir um teor inferior a 0,3% de acidez. Esse azeite apresenta qualidade inferior (pode ser misturado com o óleo de bagaço de oliva) e é denominado azeite de oliva refinado, sendo mais utilizado como ingrediente na indústria alimentícia. Azeites com acidez muito elevada são considerados azeites lampantes (literalmente, combustíveis de lâmpada), não podendo ser utilizados para consumo humano, a não ser que sejam refinados e/ou misturados com óleos mais nobres.

Temos ainda os azeites de oliva com especiarias (alho, ervas, etc), tendência crescente dos consumidores contemporâneos. Esses produtos seguem as mesmas exigências já descritas, acrescidas no rótulo da denominação da especiaria em questão. Para completar nossa galeria, há também os azeites/óleos mistos ou compostos, que são obtidos a partir da mistura de dois ou mais óleos provenientes de matérias-primas diferentes. Em geral, se utiliza azeite de oliva em combinação com alguma oleaginosa, como soja ou girassol. Nesses casos, a legislação demanda que seja indicada a porcentagem do azeite na composição do produto.

Nesse contexto, existem muitas fraudes de azeite de oliva, que são misturados a outros óleos mais baratos sem o devido aviso ao consumidor no rótulo e na publicidade. Essa adulteração nem sempre é fácil de se identificar, porém existem algumas dicas. O azeite de oliva é suficientemente inflamável, e deve ser capaz de manter o pavio de uma lamparina aceso. Além disso, por ter grande quantidade de gorduras monoinsaturadas, ele se solidifica sob refrigeração intensa (~5°C), diferentemente dos óleos das principais oleaginosas que apresentam maiores teores de gorduras poli-insaturadas (e permanecem líquidas mesmo a baixas temperaturas). Mesmo assim, existem outros óleos com propriedades físicas semelhantes às do azeite, como os de canola, de abacate e de algumas variedades de nozes.

Fontes:

– Sobre qualidades de azeite: http://saladaverde.com.br/conheca-a-diferencas-dos-tipos-de-azeite ; http://www.almanaqueculinario.com.br/dicas/como-escolher-um-azeite-93.html ; e http://revistaadega.uol.com.br/Edicoes/48/artigo153875-2.asp

– Legislação da Anvisa: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/82d8d2804a9b68849647d64600696f00/RDC_n_270.pdf?MOD=AJPERES

– Sobre produção de azeite: http://en.wikipedia.org/wiki/Olive_oil [em inglês]

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PS: Tem alguma curiosidade ou dúvida sobre alimentos. Viu alguma notícia ou soube de algum boato que não sabe se é verdade? Deixe nos comentários você também sua sugestão, ela pode virar um post 🙂

Nuggets Feitos de Meleca Rosa

A polêmica envolvendo os nuggets de frango já existe há algum tempo, mas parece sempre voltar a nos assombrar em nossas caixas de e-mail e redes sociais, geralmente acompanhada da seguinte foto:

meleca_rosa

<< O que essa foto de sorvete está fazendo numa resposta sobre nuggets? Surpresa – isso não é sorvete. 🙂 Anote a receita:

Ingredientes: tudo que sobrou de um frango. Sim: olhos, ossos, patas, miúdos, bico, etc.

Como fazer: triture tudo bem trituradinho até que vire essa massa rosada e cremosa parecida com um sorvete. Para tirar as bactérias, inclua amônia (sim, a mesma de produtos de limpeza) na receita.

Como servir: vai ficar muito fedido, então coloque um aromatizante para disfarçar e um pigmento para dar uma cor mais próxima à de carne mesmo. Corte em pedaços, empane, frite e sirva.

O nugget é o reaproveitamento de muito material que seria desperdiçado. A ciência de alimentos também inclui aumentar a quantidade de comida produzida tornando atraente partes, digamos, não tão atraentes.

Vai um nugget aí? >>

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Bom, vamos lá. Esse caso é bem parecido com o post da salsicha (vide: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/21/salsicha-com-jornal/), já que os nuggets de frango são feitos de CMS (carne mecanicamente separada) da ave. Para quem não acompanha meu blog, CMS compreende os retalhos de carne que sobram após a retirada dos cortes nobres do animal (peito, coxa, etc), a qual é separada dos ossos em máquinas específicas, e não inclui vísceras ou olhos, mas sim partes de pescoço, rosto e costas.

No contexto de se aproveitar o máximo possível de um animal após seu abate, temos na CMS um proteína barata e de boa qualidade, que poderá ser industrializada e transformada em outro produto, em contraste com os cortes nobres que serão vendidos como peças in natura ou congeladas. Veja outro caso semelhante no seguinte post: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/04/03/hamburguer-de-minhoca-do-mc-donalds/

Voltando ao processo, os retalhos de carne de frango são esmagados mecanicamente e tratados com solução diluída de hidróxido de amônio, que é um aditivo antimicrobiano autorizado e reconhecido como seguro pela legislação nacional e internacional (vide: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/02/26/mc-donalds-x-jamie-oliver/). O argumento de que é a mesma amônia dos produtos de limpeza é nulo: a água que bebemos também é a mesma da urina do rato. Como eu já ilustrei no post do Activia (https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/13/activia-com-bacterias-de-fezes-humanas/ ), identidade não significa procedência.

Na verdade, esse tratamento é o que gera a coloração rosa apresentada na foto. Isso ocorre pois o nitrogênio do hidróxido de amônio se liga com o pigmento natural presente nos músculos do frango, a mioglobina, que por sua vez está presente em maior quantidade nas carnes menos nobres e/ou próximas aos ossos (motivo pelo qual essa costuma ser mais escura do que o peito, por exemplo). A reação química é semelhante àquela que ocorre na fabricação de produtos como o presunto, na qual nitritos e nitratos se ligam à mioglobina da carne suína.

Entretanto, diferentemente do caso do presunto, a tonalidade rosada não é associada a um produto feito de frango. Por isso, utiliza-se corantes no produto, todos seguros e permitidos pela ANVISA. Esses aditivos, além dos aromatizantes e flavorizantes, não são prerrogativa dos nuggets, sendo utilizados em diversos produtos alimentícios e regulados por legislações específicas. Resumindo: o processo inteiro de fabricação dos nuggets de frango é higiênico, e não há nenhum problema de segurança com o produto.

Sobre a alegação de que a “meleca rosa” seria nojenta, acredito se tratar de uma questão cultural. Por exemplo: a alface orgânica utiliza fezes bovinas como adubo; já iogurtes e cervejas ganham seu sabor de dejetos de bactérias e fungos que decompõem o leite e os cereais (respectivamente). Uma pessoa pode rejeitar os nuggets alegando (erroneamente) que contém vísceras e, no dia seguinte, comer churrasquinho de coração – esse sim uma víscera de frango.

Fontes:

– Texto Original: http://www.muitointeressante.com.br/pq/perguntas/como-sao-produzidos-os-nuggets

– Outro texto, com vídeo do processo: http://hypescience.com/alem-da-meleca-cor-de-rosa-a-verdade-sobre-os-nuggets-de-frango/

PS: Para mais fontes, vejam os posts referidos ao longo do texto

Fanta Uva Causa Câncer & Cia

Não costumo analisar esse tipo de assunto no meu blog, mas como algumas pessoas pediram e existem várias correntes propagando a informação, aqui vai. Espero que este post tire de uma vez por todas as dúvidas em relação a temas desse tipo, e pretendo não postar coisas similares no futuro, afinal não tem muito a ver com o propósito inicial do blog:

fantauva

<< ALERTA GERAL

Não beba Fanta Uva!
A propaganda parou… Por quê?
Reparem… A propaganda quase não se vê mais na mídia… Porque será???
Estamos repassando o e-mail abaixo para conhecimento e prevenção, principalmente para aqueles que bebem este refrigerante: Fanta Uva.
Este e-mail está sendo repassado dentro do Hospital que trabalha uma pessoa amiga.
Fato já está confirmado:Vinte e três pessoas já passaram pelo Hospital das Clínicas com um mesmo sintoma: falta de atividade renal e o aparecimento de tumores no reto.
Todos os internados relataram o começo das dores e a conseqüente internação após ingerirem altas doses de Fanta Uva.
Pesquisas realizadas pelo renomado Instituto Fleury, apontaram grande quantidade de Fenofinol, Almeido e Voliteral, substâncias tóxicas e que causam, respectivamente, a má atividade dos rins e câncer.
Segundo Dr. Paulo José Teixeira, formado pela USP e Especialista em Toxicologia, as pessoas não devem ingerir mais o citado refrigerante.

A Direção da Coca-Cola já assumiu sua culpa e prometeu indenizar os pacientes e todos aqueles que venham a se contaminar com o refrigerante.
Pelo amor de “DEUS”… Passem esta mensagem para frente.
Pelo sim e pelo não, vamos tentar remediar enquanto há tempo.
Lembre-se: Divulgar a todos de sua família, é a consciência de cada um que deve decidir, mas a nossa deve estar tranqüila.

Monique Freitas
Soc.Bras.de Cardiologia/Secretaria.

Por favor não deixem de repassar esta mensagem para todos que vocês conhecem.
FELIZ DAQUELE QUE TRANSFERE O QUE SABE E APRENDE O QUE ENSINA
(Cora Coralina) >>

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Bom, eu nem preciso dizer que a notícia é completamente falsa. O texto apresenta inúmeras características típicas de hoax e de corrente: sem fonte (pessoa amiga que trabalha no hospital), sem data, começa com a palavra “alerta” em caixa alta, pede para repassar, etc. Além disso, pesquisei sobre a alegada pesquisa no site da Fleury e não encontrei nenhuma correspondência, mesmo porque as substâncias fenofinol, almeído e voliteral não existem (eu digo isso como engenheiro de alimentos e professor de química, mas você pode tirar a prova pesquisando em sites como o da Merck).

Para ser justo, existe um farmacêutico Dr. Paulo José Teixeira da USP (que não tem relação nenhuma com o Hospital das Clínicas), porém é impossível encontrar qualquer estudo seu relacionado ao tema, e nem sequer a suposta declaração por ele dada (a não ser em sites que repetem a corrente). Para completar, também não pude achar o dito esclarecimento sobre o produto feito pela própria Coca-Cola. Para mais boatos envolvendo a empresa, veja o seguinte post: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/02/27/boatos-e-mitos-envolvendo-a-coca-cola/

Na verdade, essa é uma corrente velha (acredito que de 2006), que voltou a dar as caras em 2012 no facebook. É uma re-edição de uma hoax idêntica do guaraná Kuat, que também já teve uma versão envolvendo o refrigerante Dolly. As correntes envolvendo refrigerantes e/ou câncer são muito comuns e bastante óbvias, então evitem cair nesse tipo de bobagem. Temos ainda a famosa “refrigerante com limão mata” (http://www.e-farsas.com/pesquisa-unicamp-misturar-limao-com-refrigerante-faz-mal-a-saude.html), também disponível na versão cerveja (http://www.e-farsas.com/misturar-cerveja-com-limao-mata.html)

Além das hoaxes das bebidas que causam câncer, temos ainda as maravilhosas bebidas que o curam. O boato mais conhecido é o do suco de limão com bicarbonato de sódio (http://www.e-farsas.com/suco-de-limao-bicarbonato-de-sodio-cura-do-cancer.html), mas existe um novo ganhando popularidade: o do chá de folha de graviola miraculoso (http://www.e-farsas.com/cha-de-folha-de-graviola-cura-o-cancer.html). Caso você tenha preguiça de clicar nos links, já adianto que são ambos falsos.

Fontes:

– Texto e análises originais: http://www.thiagoelias.org/site/posts/ler/36 e http://www.quatrocantos.com/lendas/286_fanta_uva.htm

– Versão Kuat da hoax: http://www.e-farsas.com/guarana-kuat-causa-tumor.html

– Site da Fleury: http://www.fleury.com.br/Pages/default.aspx

– Site da Merck: http://www.merck.com.br/pt/index.html

Cereja em Calda Feita de Chuchu

Essa é uma das polêmicas mais divertidas que eu já ouvi por aí. Será que a cereja em calda que comemos seria, na verdade, feita de chuchu? Veja um exemplo de texto abaixo:

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<< Num tempo bem longínquo, quando Deus criou todas as coisas, ele resolveu colocar na natureza uma frutinha simpática e muito saborosa chamada cereja.

De textura macia e sabor ácido e adocicado, além de um único carocinho em seu miolo, a cereja alimentou viajantes incautos e camponeses famintos por milhões de anos. Deus achou interessante também colocar um cabinho na cereja. Assim, ficaria fácil comer a frutinha e se livrar do carocinho incoveniente.

Milhões de anos depois, o ser humano dominou as ténicas de cultivo da cereja e de sua árvore, a cerejeria. Mesmo assim, como se trata de uma fruta de origem asiática, e nosso país tem um clima muuuuito diferente do da Ásia, é meio caro comprar cereja por aqui.

O homem, com o passar dos anos e a revolução industrial, encontrou maneiras mais fáceis de se alimentar. Maneiras que não exigiam que ele plantasse uma cerejeira ou caçasse um boi. Ele podia ter todas essas coisas mesmo sem cultivá-las ou matá-las. Ele podia pagar para que fizessem isso pra ele. Além disso, o homem inventou as frutas em calda e desidratadas, o que trouxe a natureza para dentro do nosso lar de maneira inexplicável.

Doces sabor cereja são muito comuns no nosso país. As docerias estão repletas deles. Mas você, que num ou em outro Natal já provou cerejas in natura, sabe que o sabor delas difere diametralmente do sabor artificial dos doces sabor cereja que provamos todos os dias. Difere inclusive do sabor da famosa cereja em calda, que é facilmente encontrada em bolos e guloseimas nas padarias do país.

A química avançou de modo incrível, e os bons flavorizantes artificiais simulam com perfeição o aroma e o sabor de alimentos naturais. Mas a cereja… a cereja continua diferente.

É quase… é quase outra coisa.

É outra coisa. Cereja em calda, meu amigo… CEREJA EM CALDA É CHUCHU!

Isso mesmo. A maioria das cerejas em calda encontradas em supermercados é feita de chuchu, um legume que supostamente absorve a cor e o sabor de qualquer coisa. Sei que é difícil de acreditar, mas basta uma olhada mais atenta nas letras miúdas da embalagem para comprovar. […]

Eu clamo pela sua compreensão. Isso não é teoria da conspiração. Não é um boicote à indústria de chuchus. Ou à indústria de cerejas em calda. Minha única função aqui é propagar a verdade.

[…]

Isso só prova o quanto vivemos num mundo de aparências, o quanto somos apegados a paradigmas. Se a cereja em calda é feita de chuchu, do que será feito o frango que comemos todos os dias? O bife? O leite?

[…] >>

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Bom vamos lá. Dessa vez, o boato é parcialmente verdadeiro. Cerejas realmente são frutas típicas de climas temperados, apresentando alto custo no Brasil, o qual as importa principalmente do Chile. Dessa forma, temos disponibilidade de cereja in natura apenas numa época específica do ano, geralmente sendo consumida como iguaria natalina. Já sua versão industrializada em calda, que apresenta maior data de validade (por ter alto teor de açúcar, embalagem hermética, e eventuais conservantes), está disponível o ano inteiro. Ainda assim, é um item relativamente caro.

Por esse motivo, existe uma prática comum em muitas padarias, docerias e confeitarias populares de utilizar uma imitação de cereja em seus doces, devido à sazonalidade e preço da fruta. Essa imitação pode ser feita de outras frutas, como mamão verde e melão, ou mesmo de hortaliças como pepino e chuchu. O último é o preferido dos confeiteiros, não apenas por apresentar baixo custo, mas também por ter sabor neutro e textura adequada, sendo  facilmente adaptado para mimetizar uma cereja. Para isso, o vegetal é cortado em “bolinhas”, cozido em cal virgem, adicionado de caldas de açúcar com corantes ou groselha, (e, às vezes, de licor marrasquino), adquirindo caracterísitcas semelhantes à da fruta em calda.

Mas lembrem-se, eu disse “parcialmente verdadeiro”. Isso porque as cerejas em calda vendidas no supermercado costumam ser feitas da própria fruta sim (pelo menos na maioria das vezes). Apesar de ser algo difícil de se controlar, vender um produto informando se tratar de outro é crime, e as indústrias produtoras podem ser multadas em até R$ 3 milhões pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. O que geralmente não tem de verdade no produto é o licor marrasquino (feito originalmente com a cereja marrasca croata), o qual é substituído por uma calda açucarada com corantes vermelhos e aromatizantes, exceto em produtos de alto padrão.

Mesmo assim, é sempre bom ficar de olho e desconfiar caso o preço do produto esteja muito abaixo do esperado. Para não ser enganado pelo chuchu, vale a pena ler a lista de ingredientes e conferir se o produto não está denominado como “imitação de cereja”, “fruta em calda tipo cereja” ou “doce em calda sabor cereja”, essa última muito utilizada nas vitrines de confeitarias. Se a fruta em calda apresentar haste (=”cabinho”) e caroço, é quase certeza que se trata de cereja verdadeira. No caso das descaroçadas, verifique se há um espaço vazio e levemente rugoso no lugar de onde supostamente saiu a semente, já que as imitações costumam ser esferas perfeitas e maciças.

Já me antecipando aos possíveis comentários: mas por que a cereja em calda, mesmo verdadeira, tem sabor tão diferente da fruta in natura? Um dos motivos é o fato de serem empregadas, na indústria, frutas de certas variedades específicas, as quais são menores e de coloração mais clara, enquanto que as grandes e arroxeadas são preferidas para o consumo na forma crua (=não-processada); caso análogo ao do pêssego em calda. Outra razão é que, como qualquer conserva, o produto em calda apresenta uma série de outros ingredientes e aditivos e também um processamento térmico, os quais alteram suas características sensoriais.

Fontes:

– Texto original do boato: http://oesquema.com.br/olhometro/2009/07/24/a-verdade-sobre-as-cerejas-em-calda/

– Sobre cereja ao marrasquino: http://en.wikipedia.org/wiki/Maraschino_cherry [em inglês]

– Cereja feita de chuchu: http://super.abril.com.br/alimentacao/cereja-calda-feita-chuchu-632108.shtml

– Receita caseira de cereja em calda: http://anamariabraga.globo.com/home/receitas/receitas.php?id_rec=2849

Salmão com Corante

Nossa, faz tempo que eu não posto nada sobre peixes! A última vez foi do Peixe Panga (https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/11/peixe-panga-venenoso/ ). Vamos lá para um dos temas mais controversos sobre o assunto, que voltou com tudo após a popularização dos rodízios de comida japonesa e temakerias: o salmão que comemos é colorido artificialmente?

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Veja aqui um trecho de um post que encontrei por aí:

<< Ontem, logo cedo, seu Biditinho Tapioca, velho amigo caiçara lá da Ponta do Rabo Azedo, veio contando que meu tio-avô Casimirus ficou fulo da vida quando soube que criadores de salmão em cativeiro utilizam uma gororoba na ração que é fornecida para esses peixes, visando deixar sua carne bem cor de rosa, aquele rosa-salmão que todos conhecemos. Tal gororoba é feita à base de derivados de petróleo. 

[…]
Dona Elzbieta, minha vovó lituana, atesta:

– É verdade! O salmão criado em cativeiro tem a carne esmaecida, acinzentada. Só os salmões de alto mar – que muito raramente chegam aos mares do Brasil – possuem aquela cor linda, característica.

A tecnologia na pesquisa dos aditivos evoluiu a ponto de transformar um peixe de cor pálida em um alimento convidativo. A transformação se dá graças a aditivos chamados astaxantina e cantaxantina, obtidos a partir do petróleo.

Derivado de petróleo… A gente comendo sashimi de salmão, a três por quatro, crente que está ingerindo um alimento super natural e saudável…

[…] >>

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Bom, lamento surpreender, mas na verdade a resposta para a pergunta é sim. Calma, vou explicar: o salmão é um peixe branco por natureza. O que o deixa com aquela coloração laranja-rosada característica é a bioacumulação do pigmento natural astaxantina, o qual é produzido por diversas micro-algas. Na cadeia alimentar, essas micro-algas servem de alimento para crustáceos como pequenos camarões e lagostins (motivo pelo qual esses animais também possuem a coloração alaranjada), que, por sua vez, são comidos pelos salmões. Dessa forma, o peixe acumula o pigmento em sua carne, adquirindo a tonalidade que foi batizada segundo seu nome.

Entretanto, o salmão selvagem é oriundo de águas geladas (salgada e doce) da América do Norte, Europa e Ásia, não sendo encontrado em regiões tropicais. Como não é um peixe propício para a salga (diferentemente do bacalhau), seu transporte deve ser bem refrigerado para preservar o alimento, se tornando muito caro e difícil, o que torna o preço do pescado natural inviável para os restaurantes brasileiros. Por esse motivo, praticamente 100% do salmão consumido aqui é criado em cativeiro, em condições adaptadas, onde são alimentados com uma ração contendo astaxantina ou cantaxantina (um pigmento semelhante), de modo a desenvolver a coloração desejada.

Esses aditivos utilizados podem ser tanto de fonte natural (extraídos de algas) ou sintéticos. A astaxantina é um carotenóide com alto poder anti-oxidante, motivo pelo qual é utilizada como nutracêutico* em suplementos alimentares. Para essa aplicação específica, geralmente se prefere o pigmento natural; já para a produção em larga escala de salmões, é mais comum a utilização do aditivo sintético, mais barato, que é produzido sim a partir de derivados de petróleo. Lembrando que não há nenhum problema de higiene ou segurança nisso, e que vários outros bens de consumo também são oriundos do combustível fóssil, incluindo cosméticos (principalmente maquiagem), medicamentos (aspirina e pomadas), chicletes, etc.

Nesse contexto do “salmão colorido artificialmente”, geralmente nos deparamos com um outro vilão: a truta salmonada. O fato é que o salmão e a truta são peixes bastante semelhantes (ambos da família Salmonidae), porém a última se adaptou melhor às águas doces de regiões montanhosas do Brasil. Em geral, as trutas não se alimentam de crustáceos, apresentando, naturalmente, carne de coloração branca. Porém, existem produtores que incluem astaxantina em suas rações, fazendo com que o peixe desenvolva uma tonalidade salmão (daí o nome truta salmonada).

Até aí tudo bem, afinal existem trutas douradas, prateadas, arco-íris, e de diversas outras cores conforme sua espécie e alimentação. O problema é que alguns estabelecimentos (principalmente restaurantes) vendem aos seus consumidores truta salmonada como se fosse salmão, já que aquela é mais barata. E a fraude não é muito fácil de se perceber pelos clientes, principalmente quando o peixe é consumido na forma de sushis/sashimis. Entretanto, se identificada, deve ser alertada ao Procon, já que se trata de um desrespeito ao consumidor, o qual sempre deve saber o que está consumindo.

De qualquer forma, não deixem de consumir salmões (ou mesmo trutas) pelo fato de eles serem “coloridos artificialmente”. Lembre-se que se trata de um alimento muito saudável e que sua criação é completamente regulamentada, sendo que os pigmentos utilizados não apresentam nenhum risco à saúde humana. E também, que esses corantes possibilitam que você consuma o peixe, com as características sensoriais desejadas, sem ter que pagar um valor exorbitante por isso.

Fontes:

– Texto original: http://www.jornalcanalaberto.com.br/index.php?pagina=materias&cod_editoria=6&cod_materia=1087

– Sobre o salmão: http://en.wikipedia.org/wiki/Salmon [em inglês]

– Sobre a astaxantina: http://www.puravida.com.br/artigos-do-mes/o-que-e-astaxantina/ e http://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93996/280437.pdf?sequence=1

– Sobre trutas: http://pt.wikipedia.org/wiki/Truta

– Sobre trutas salmonadas: http://www.oestadoce.com.br/noticia/salmao-ou-truta-salmonada-0

*Chamamos de nutracêuticos os componentes de alimentos capazes de conferir algum benefício à saúde humana além dos nutrientes essenciais. Os alimentos que contém nutracêuticos são comumente chamados de alimentos funcionais. Exemplos: Yakult, bebidas de Aloe Vera, chá verde, etc

Cerveja Feita de Milho / Água da Cerveja

Acho que já estava na hora de eu fazer um post sobre cervejinha nesse blog. Afinal, ela é protagonista de várias polêmicas, e nos últimos anos passou de vilã da barriguinha para parte de uma dieta saudável, apresentando vários benefícios nutricionais e funcionais ao organismo, quando consumida moderadamente:(http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI220906-17774,00-BARRIGA+DE+CERVEJA+E+MITO.html)..

cerveja

Mas como esse não é um blog sobre nutrição, vou tratar aqui de um ponto fabril que causa dúvidas nos consumidores: é verdade que as marcas brasileiras mais populares de cerveja fabricam uma bebida que contém alto teor de milho? E que a água utilizada no processo tem muita influência no gosto da cerveja produzida? Vejam aqui as respostas:

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A resposta à primeira pegunta é sim, as cervejas mais consumidas nacionalmente possuem alto teor de milho em sua composição. Isso foi comprovado por um estudo da USP através de determinações de Carbono-13 e Carbono-12, que indicou que sua matéria-prima utilizada como fonte de açúcares (=extrato primitivo) é em torno de 45% constituída de cereais maltados provenientes de gramíneas tropicais (leia-se: milho). Infelizmente, isso está de acordo com a legislação brasileira, que determina que o produto “cerveja” deve possuir proporção de malte de cevada mínima de 50%, em peso, sobre o extrato primitivo*.

Eu disse infelizmente, já que quem conhece cerveja de verdade sabe a diferença de qualidade que existe entre uma cerveja puro malte (definida na legislação como aquela que possuir cem por cento de malte de cevada dentre seus cereais) e uma com apenas metade de cevada. Na Europa, as principais cervejarias seguem a máxima alemã Reinheitsgebot (lei da pureza da cerveja), que determina que a bebida deve ser constituída apenas dos seguintes ingredientes: água, malte de cevada e lúpulo, sendo a levedura usada como coadjuvante de tecnologia. No Brasil, as cervejarias que mais se aproximam desse lei são a Baden Baden, a Colorado e a Eisenbahn, contendo alto teor de cevada em seus produtos.

As principais empresas brasileiras produtoras da bebida, além de agirem na defensiva (tentando desmerecer o estudo), se justificam dizendo que suas cervejas seriam adaptadas ao paladar do consumidor brasileiro, que demanda um produto “mais leve, refrescante e de corpo suave”. Mas a verdade é que a substituição da cevada por milho e outros cereais torna o produto mais barato, já que aquela é originária de regiões temperadas e possui elevado custo no Brasil. Além disso, o milho acelera o processo de produção por conta de suas enzimas naturais, propriedade interessante para fabricação em larga escala. Eu, particularmente leio a alegação dos fabricantes como “cervejas sem gosto de cerveja, e aguadas”.

E por falar em água, existe um mito de que as cervejas de certos lugares específicos, como Agudos ou Petrópolis, possuem melhor qualidade devido às suas boas fontes de água mineral. Essa relação entre água e o produto final era válida no passado, quando não havia tratamento especializado (como retirada do cloro e filtração), mas hoje em dia não passa de boato, pelo menos no tocante às grandes cervejarias. Isso porque é possível alterar minuciosamente as características físico-químicas da água, tornando-a ideal para formulação do produto desejado. Ou seja, mesmo que exista uma diferença entre as águas de cada local, elas são eliminadas nessa padronização – trata-se de famosa água cervejeira.

Mas então, como explicar a diferença percebida entre produtos de mesma marca provenientes de diferentes cidades? Os principais motivos para tal são explicados por fatores relacionados ao transporte e à armazenagem do produto. Diferentemente de certas bebidas alcoólicas, quanto mais recente a cerveja, melhor será seu sabor, já que o tempo promove alterações físicas, químicas e enzimáticas que diminuem a qualidade sensorial do produto. Além disso, várias dessas reações podem ser promovidas ou potencializadas por fatores como calor, luz (no caso de garrafas) ou agitação excessiva, causando a deterioração da bebida.

Fontes:

– Sobre os benefícios da cerveja: http://blogalimentoseguro.com/2012/09/27/voce-sabia-que-a-cerveja-possui-vitaminas-essenciais-para-uma-dieta-saudavel/ e http://blogalimentoseguro.com/2012/02/02/um-copinho-de-cerveja-por-favor-porque-faz-bem-para-a-saude-sim/

– Pesquisa da USP: http://www.brejas.com.br/blog/08-10-2012/cervejas-populares-nacionais-tem-muito-milho-afirma-pesquisa-usp-12977/

– Legislação: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Decretos/Ant2001/Ant1999/Dec231497.htm

– Sobre a lei da pureza da cerveja: http://pt.wikipedia.org/wiki/Reinheitsgebot

– Relação entre qualidade da água e da cerveja: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=578113852222377&set=a.168524619847971.34888.111661028867664&type=1&theater

* Para quem não sabe, o malte nada mais é do que a cevada germinada e seca, porém o processo pode ser feito com diversos cereais. Quando se diz somente “malte”, subentende-se que é de cevada; caso contrário, deve-se indicar o cereal – exemplo: “malte de milho”

Hambúrguer Feito de Fezes Humanas

Seguindo alguns protestos, resolvi voltar um pouco às origens do meu blog com um post sobre uma hoax que na verdade já é bem antiga, mas voltou a se popularizar nas redes sociais entre 2011 e 2012 e chegou a ser notícia até mesmo em mídias sérias, como a Fox News. Como tanto hambúrguer quanto fezes são temas bastante recorrentes no meu blog, nada como um assunto que englobe as duas coisas.

O E-farsas fez uma análise bem legal da notícia, com três bons vídeos: http://www.e-farsas.com/cientista-cria-o-poopburguer-um-hamburguer-feito-com-fezes-humanas.html . O segundo é especialmente engraçado (mas um pouco ofensivo). Mesmo assim, vamos lá com um bom exemplo de texto que circulou por aí:

<< Pode parecer nojento e bizarro, mas o cientista japonês Mitsuyuki Ikeda, do Centro de Avaliação Ambiental em Okayama, criou um hambúrger feito de cocô, o Poop Burger. Com sua “ideia inovadora”, Ikeda extraiu lipídios e proteínas de “fezes humanas “, misturando-o ao molho de soja e essência com sabor carne.

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Segundo Ikeda, a combinação desses ingredientes, fica nutritivo, delicioso, além de ser pobre em gordura e ambientalmente amigável e ainda contribui para a sustentabilidade. Talvez, essa alternativa seria de “bom gosto” durante a 2° Guerra Mundial, quando o país foi assolado pela fome e a miséria, mas será que nos dias de hoje, em pleno século XXI, o hambúrger de merda fará sucesso?
Goste ou não, este conceito até faz sentido se você estiver preocupado com o meio ambiente. Quando se cria gado com o único propósito de consumir a carne, ocorre uma quantidade substancial de emissões de carbono. Portanto, a criação de gado prejudica ainda mais o efeito estufa e ainda contribui para uma maior degradação da terra e da água.
Apesar de bizarro, não podemos negar que Ikeda conseguiu ser criativo ao reciclar resíduos humanos. 
E ainda mais com bons propósitos e argumentos, já que ele espera que a sua invenção, possa contribuir para reduzir os problemas ligados à fome e escassez de alimentos em todo o planeta. E o melhor de tudo: reutilizando uma das fontes mais renováveis, ao mesmo tempo que protege a Natureza.
Que se dane a sustentabilidade e a natureza, não comeria isso de maneira alguma. Pode misturar com o que for que continuarar hamburger de merda para mim, e isso é nojento, depressivo e angustiante, só de pensar me dar vontade de vomitar. Talvez ele possa utilizar meu vômito também… Aff, é cada doido que me aparece. >>
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Ok, de cara podemos identificar algumas características de hoax na notícia, como falta de data e assinatura. O tal desenvolvedor do produto, o japonês Mitsuyuki Ikeda,  não existe na Universidade de Okayama nem na empresa Okayama Laboratories, que na verdade fabrica superfícies para dispositivos médicos – área um pouco distante de hambúrgueres ou fezes. Existe um homônimo (pobre coitado!) que trabalha como educador na Unesco, que já declarou não ter relação com o boato. Fora isso, apenas encontramos o nome em reproduções da falsa notícia. Ao analisarmos o primeiro vídeo, ele nos parece ser antigo e suspeito, sem contar algumas imagens pseudo-científicas (como o fato de ele colocar um pedação de carne no microscópio).
Uma coisa que me chamou atenção é que algumas versões da hoax dizem que as fezes humanas possuem 63% de proteína, 25% de carboidratos, 3% de lipídios e 9% de minerais. Pesquisei sobre isso e, na verdade, as fezes saudáveis são compostas em média de 75% de água, sendo 1/3 do restante bactérias intestinais mortas e outro 1/3 fibras e materiais indigeríveis, como celulose. Os outros 33% são divididos em 20% de matéria inorgânica (principalmente sais minerais), 10% de gorduras (não-digeridas ou provenientes da bile) e apenas 3% de proteína.
Ou seja, mesmo que fosse possível fazer hambúrgueres a partir de fezes humanas, o processo seria extremamente caro e inviável, já que seria necessário coletar os excrementos, separá-los do esgoto, sanitizá-los, extrair os componentes necessários (de baixíssima produtividade), adicionar aditivos, reprocessar, etc. (Lembre-se do que foi comentado nos posts sobre o Activia: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/13/activia-com-bacterias-de-fezes-humanas/ e o Mc Donald’s: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/04/03/hamburguer-de-minhoca-do-mc-donalds/)
Para ser justo com as versões da notícia que dizem que o hambúrguer seria feito de lodo de esgoto, e não exatamente das fezes, existe um leve precedente. Em países muito pobres, como o Haiti, é comum a confecção e consumo de biscoitos de lodo, proveniente de uma argila branca local, misturada com água, sal e óleo. Isso porque trata-se um material extremamente barato (o biscoito sai por menos de R$0,08) e com alta concentração de matéria orgânica – o que o torna fonte de nutrientes – apesar dos efeitos adversos de se consumir sílica (sem falar nos perigos associados à falta de higiene). De qualquer forma, esse produto existe porque a população passa fome e luta pela sobrevivência, não tendo nenhuma tecnologia ou pesquisa associada.
Fontes:

Casos de leite adulterado no RS

Olá pessoal, quanto tempo! Na verdade, queria ter escrito sobre isso há quatro dias atrás, mas acabei não conseguindo e o blog ficou uma semana sem posts novos (peço desculpas por isso). Uma coisa boa de escrever sobre alimentos é que, sempre que eu começo a ficar sem ideias, alguma coisa acontece e eu volto a ter assunto: Na semana passada, tivemos o caso dos leites adulterados no RS, apresentando não apenas adição de água, mas também ureia agrícola, o que o torna um perigo à segurança alimentar. Vou colocar aqui minha opinião sobre o assunto.

leite_adulterado_RS

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Primeiramente, gostaria de salientar que, infelizmente, a notícia é verdadeira. Mas não podemos agir com alarmismo: o problema foi localizado no RS, nas marcas Mu-Mu, Líder, Latvida e Italac, e apenas em certos lotes específicos (você pode conferir a lista completa aqui: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/ministerio-publico-faz-operacao-contra-adulteracao-de-leite-no-rs.html ). Ou seja, não cortem o leite de suas dietas para sempre porque “ele contém xixi” – como as pessoas estão dizendo por aí – apenas deixem de consumir os produtos desses lotes específicos.

O que aconteceu foi o seguinte: os transportadores, para aumentar o volume de leite comercializado (e ganhar mais dinheiro), adicionavam água ao leite cru. E, aliás, essa água não era nem tratada, o que já representaria um problema de higiene por si só (o que só não é tão grave pelo fato de que o leite seria processado termicamente em seguida). Até aqui nada de novo: essa é talvez a fraude alimentar mais velha que existe e seria facilmente identificável em análises rotineiras simples, como: densidade, crioscopia (=ponto de congelamento), extrato seco ou teor de proteínas – o qual é determinado pela quantidade do elemento químico nitrogênio.

Justamente para disfarçar esses efeitos, os adulteradores também adicionavam ureia agrícola ao produto, que é um composto utilizado como adubo, pelo seu alto teor de nitrogênio. Dessa forma, o leite cru não apenas tinha seu valor inicial de densidade restaurado, como também o de nitrogênio, conseguindo mascarar a adição de água nas principais análises feitas no recebimento do leite cru. A ureia também apresenta uma certa basicidade, a qual pode ser empregada para balancear uma acidez excessiva do produto, indicadora de baixa qualidade microbiana Apesar de geralmente associarmos a ureia à urina (da qual ela de fato faz parte), o que dá uma impressão de falta de higiene e toxicidade, o produto não apresentaria tantos riscos à saúde humana na quantidade adicionada, representando mais um problema ideológico do que de segurança.

Na verdade, o próprio leite cru já tem naturalmente um certo teor de ureia (já que a mesma é um subproduto do metabolismo dos bovino), o qual é muito variável e depende de fatores como raça, dieta e idade do animal leiteiro. Além disso, a ureia agrícola é um produto sintético, não proveniente de urinas animais e relativamente seguro para seu uso em adubação. O grande problema é que a ureia comercial não é 100% pura, mas contém certa quantidade de formol (=metanal ou formaldeído), o qual é intrínseco da produção do composto. Diferentemente da ureia, o formol é completamente forâneo ao leite e extremamente tóxico e cancerígeno (e até inflamável), mesmo em pequenas quantidades. Além disso, o composto não é destruído durante o tratamento térmico na indústria – portanto, eis aqui o verdadeiro vilão à segurança alimentar nesses leites adulterados.

Nessa estória toda, eu queria deixar bem claro que a fraude não foi feita nem pelos produtores e nem pela indústria (que costumam ser demonizados pela mídia), mas sim pelos transportadores de leite cru. Algumas pessoas apontaram que acham um absurdo as indústrias não detectarem a adulteração nas análises da matéria-prima, mas é preciso entender que as determinações específicas de formol e ureia em leite cru não são análises simples nem comuns, e dificilmente são feitas pelas indústrias (tanto que quem identificou foi o SIF). Além das análises rotineiras que eu expliquei anteriormente, são feitas determinações de acidez, gordura, e contagem de micro-organismos, todas incapazes de identificar a fraude.

Esse caso me lembrou bastante aquele do leite Parmalat em 2008. Na ocasião, o leite estava com alta contagem de micro-organismos e os fraudadores adicionavam ao leite cru: soda cáustica para neutralizar a acidez excessiva; água oxigenada para eliminar os micro-organismos; água para aumentar o volume e disfarçar o sabor; e sacarose para corrigir o efeito da água na densidade. É claro que essa adulteração foi mais fácil de se identificar. O que eu achei melhor no caso mais recente foi que as investigações foram extremamente objetivas e sigilosas, apenas revelando o resultado após tudo estar concluindo e resolvido, evitando atitudes precipitadas, confusões e alarmismos da população.

Fontes:

– Detalhes do caso: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/industria-nao-faz-teste-para-detectar-nivel-de-ureia-no-leite-diz-especialista.html

– Sobre detecção de ureia em leite: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/05/industria-nao-faz-teste-para-detectar-nivel-de-ureia-no-leite-diz-especialista.html

– Análises rotineiras de leite cru: http://www.fiemg.org.br/admin/BibliotecaDeArquivos/Image.aspx?ImgId=10686&TabId=3376&portalid=97&mid=11476 e http://www.bento.ifrs.edu.br/site/midias/arquivos/2012429101512203camilafachinelli.pdf

– Mais sobre ureia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ur%C3%A9ia

– Mais sobre formol: http://pt.wikipedia.org/wiki/Formol

 

PS: Não fiz esse post para defender, de forma alguma, adulterações em nenhum alimento. Simplesmente quis explicar melhor a lógica da fraude e expor quem são os verdadeiros culpados no caso.

Leite em Pó é Feito de Leite Mesmo?

Já ouvi algumas vezes a pergunta acima. Além das clássicas piadinhas sobre como se fazer leite em pó (congela e rala, vaca mumificada, etc), muitas pessoas não têm ideia do que exatamente é o produto, sendo que alguns acreditam até mesmo que se trata de uma mistura artificial de vários pós, não contendo uma única gota de leite. Também não tenho nenhum texto específico sobre o assunto (ainda bem que esse boato não caiu nas graças das correntes da internet), mas irei explicar aqui um pouco do processamento do leite em pó.

leitepo

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Para começar, leite em pó é feito de leite sim. Ele nada mais é do que um leite desidratado, no qual a água (90% do alimento) é retirada afim de diminuir o volume do produto e aumentar sua vida de prateleira, já que a maioria dos micro-organismos deteriorantes necessitam de água para sobreviver. Isso facilita e barateia muito o transporte e a estocagem do leite, e o torna acessível principalmente em regiões onde o produto é escasso. Além disso, o leite em pó é bastante utilizado na formulação de alimentos nas indústrias, por praticidade e conveniência.

Esse foi o porquê, mas e o como? Para desidratar o leite (integral, desnatado ou semi), é necessário inicialmente concentrá-lo em trocadores de calor a baixas temperaturas (~75°C) por um longo tempo, para minimizar alterações sensoriais (sabor, aroma, cor) indesejáveis características de cozimento. Nesse processo, que também é o ponto de partida para elaboração do leite condensado, cerca de metade da água é evaporada, formando uma “pasta” de leite.

Em seguida, o produto passa por um equipamento chamado spray-dryer, que é literalmente um pulverizador-secador. Funciona da seguinte forma: o leite pré-concentrado é borrifado em minúsculas gotículas, processo chamado (erroneamente) de atomização. Essas gotículas atravessam um enorme túnel de ar quente em contrafluxo (~180°C). Por conta da imensa área de contato, as gotículas perdem praticamente toda a sua umidade, sendo recolhidas no final do túnel como pós. Depois, peneiras eliminam os grãos muito grandes, sendo que apenas os de tamanho adequado seguem para envase. O processo é semelhante ao de vários outros produtos solúveis em pó, como café e sopas*.

Existem alguns aditivos e coadjuvantes que são permitidos no produto. Isso porque o leite cru é um sistema muito complexo: uma solução de sais e lactose, com proteínas em suspensão e gorduras em emulsão. Quando você o desidrata, esses sólidos acabam se agregando, não voltando exatamente ao estado original após a adição de água. Nesse contexto, o principal aditivo utilizado no leite em pó instantâneo é o emulsificante lecitina de soja, que é utilizado (máximo de 5g/kg do produto) para formar novamente uma solução dispersa e estável, deixando o produto com “cara de leite” (na medida do possível).

Outro aditivo empregado no produto para aplicações industriais e de serviços de alimentação (leia-se: restaurantes, lanchonetes, etc) são anti-umectantes, como silicatos e carbonatos (máximo 10g/kg do produto), que impedem que o produto adquira água e perca sua vida útil. São utilizados sobretudo nos produtos destinados a máquinas de vendas (como as de cappuccino). Por fim, temos também o emprego de atmosferas modificadas no interior da embalagem, onde o ar é substituído por nitrogênio puro, a fim de evitar a rancificação da gordura no caso do leite em pó integral.

Mas se o produto é feito praticamente só de leite, por que o leite reconstituído (isto é, o leite em pó adicionado de água na proporção certa) tem um sabor tão diferente do leite cru ou mesmo do UHT? Apesar de o processo ser feito de maneira a diminuir as alterações sensoriais e nutricionais do produto, ele não consegue as evitar completamente, já que isso é impossível quando se trabalha com tratamentos térmicos (vide post sobre irradiação: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/04/29/alimentos-irradiados-sao-radioativos/). Além disso, conforme dito anteriormente, a remoção da água altera a conformação dos sólidos do leite e suas interligações, fazendo com que o leite reconstituído não seja sensorialmente idêntico ao cru.

Fontes:

– Mais sobre o processo: http://en.wikipedia.org/wiki/Powdered_milk

– Legislação: http://www.agais.com/normas/leite/leite_po.htm

*PS: Para quem tem dúvidas sobre o que um Engenheiro de Alimentos faz, transformar comidas em pós é uma de nossas especialidades 🙂 . Espero que esse post tenha dado para esclarecer melhor um pouquinho do nosso universo e mostrar, de uma vez por todas, que nossa profissão não tem nada a ver com nutrição e gastronomia (quero ver fazer leite em pó na sua cozinha)

Alimentos Irradiados são Radioativos?

Hoje vamos tratar de um tema um um pouco antigo, mas ainda muito atual: a rejeição aos alimentos irradiados por conta da percepção errônea dos consumidores de que os mesmos fariam mal à saúde, por serem “radioativos”. Vocês podem verificar um exemplo recente da propagação dessa desinformação no blog a seguir: http://www.libertar.in/2013/01/mais-um-perigo-saude-cuidado-com-os.html . Afinal (já me desculpando de antemão pelo trocadilho), o que raios são alimentos irradiados?

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A irradiação é um processo físico de tratamento de alimentos (embalados ou a granel), no qual são submetidos a radiações ionizantes em intensidade, frequência e tempo controlados. Geralmente, é utilizado em carnes (vermelha, branca e mariscos), especiarias e vegetais frescos, com a finalidade de reduzir a carga microbiana e/ou inibir a deterioração natural das matérias-primas, prolongando sua vida de prateleira. Mas é importante salientar que a irradiação é um tipo de processamento, e não substitui de forma alguma as boas práticas de fabricação e higiene. Ou seja, se um alimento já apresenta baixa qualidade, nem a irradiação nem qualquer outro processo poderão salvá-lo.

Um adendo importante: nem todo alimento pode ser irradiado: o processo não é adequado para leite e seus derivados, nem produtos gordurosos em geral, já que a ionização pode levar à oxidação da gordura, gerando sabor de “ranço”. Em contrapartida, frutas irradiadas podem durar até 3 vezes mais, aumentando a capacidade de transporte e o tempo de estoque, sendo ideais para exportação.

Radiações ionizantes são aquelas com frequências maiores que o UV e o espectro visível, sendo mais utilizados em alimentos os tratamentos com raios alfa, beta, gama e X. De acordo com a intensidade e o tipo de radiação, podemos ter três segmentos do processo. O mais leve deles é a radurização, no qual se utilizam baixa doses (raios alfa e beta), que seria paralelo ao processo térmico de branqueamento – é indicado para retardar brotamento e amadurecimento natural de frutas e hortaliças. Quando utilizamos doses médias, temos a radiopasteurização (raios X), que elimina certas bactérias e fungos deteriorantes. Já a radapertização utiliza doses mais altas (raios gama), e seu equivalente térmico seria a esterilização, acabando com virtualmente toda a carga microbiana do produto. [prometo fazer um post explicando melhor os tipos de tratamento térmico no futuro].

Apesar de ter custo inicial elevado (é uma tecnologia um pouco onerosa), a irradiação apresenta custos de produção e manutenção relativamente baixos, podendo ser uma boa alternativa em certas aplicações. O tratamento é feito num equipamento chamado irradiador, que possui uma fonte radioativa como o Co-60 ou o Cs-137, a qual gera os raios que irão ionizar o alimento, causando alterações em micro-organismos, insetos e parasitas presentes nos alimentos (levando à morte ou impossibilidade de reprodução), ou então inativando enzimas e hormônios que levem ao amadurecimento e/ou brotamento indesejado. 

Nesse processamento, o importante é entender que o alimento não entra em contato com a fonte radioativa, e que a irradiação, nos níveis aplicados, não é capaz de tornar o produto radioativo (os níveis máximos utilizados são extremamente inferiores aos mínimos necessários para tornar o produto impróprio para o consumo). Isso porque existe toda uma legislação detalhada para regular o processo, o qual é realizado em vários países do mundo, incluindo Europa, EUA e Brasil (no qual é regulado pela Anvisa). Aqui, as empresas são obrigadas a declarar caso o produto seja irradiado ou fabricado com ingredientes irradiados, através do seguinte símbolo internacional:

Imagem

Diferentemente do caso transgênicos, acho esse símbolo bastante apropriado por não ter cores nem formato remetentes a algo negativo. Entretanto, eu (pessoalmente) considero desnecessário indicar na embalagem que um alimento sofreu irradiação, já que não existe nenhum estudo científico que associe o processo a qualquer problema de saúde (a comunidade científica concorda que alimentos irradiados não podem causar câncer, nem alergia ou qualquer outra patologia), e tampouco a danos ambientais. Na verdade, não conheço sequer argumentos religiosos, políticos ou filosóficos contra a irradiação.

Geralmente, os opositores da irradiação de alimentos alegam que o processo pode acarretar na perda de nutrientes essenciais dos alimentos, ou mesmo alterar seu aspecto sensorial. Apesar de isso ser sim possível, os níveis e o tempo de tratamento são ajustados de forma a minimizar essas alterações. Mesmo porque, a ideia inicial da irradiação é justamente o contrário: manter as propriedades naturais do alimentos pelo maior tempo possível, eliminando ou retardando os mecanismos de deterioração. Além disso, vale lembrar que os processos térmicos também causam mudanças sensoriais e nutricionais nos alimentos – e muito mais extremas. A irradiação veio justamente para substituir o calor em produtos onde o aspecto e o sabor de “cozido” são indesejáveis.

O blog que eu citei no início contém outras afirmações falsas jamais comprovadas por cientistas, como a de que a irradiação podeira gerar o aparecimento de bactérias mutantes. Ele ainda vai mais além e diz que a radiação ionizante causa o aparecimento de radicais livres que causam milhares de doenças. Mas quem vai ser irradiado é o alimento, e não você. É claro que o processo causa inúmeras reações destrutivas, afinal o objetivo dele é justamente eliminar seres patógenos e deteriorantes presentes nos alimentos, além de seus mecanismos internos de amadurecimento e deterioração. Essa comparação é tão besta como dizer que um alimento esterilizado pode te queimar ou que uma carne à vácuo pode te deixar sem ar.

Infelizmente, acredito haver apenas uma explicação para essa polêmica toda: a ignorância. As pessoas não têm instrução suficiente para saber o que significa um alimento irradiado, sempre confundindo com radioativo e supondo, erroneamente, possíveis danos à saúde.Talvez essas mesmas pessoas esqueçam que fazem exames de raio-X quando fraturam ossos, ou ainda o fato de que são irradiadas quase todos os dias pelo sol.

Fontes:

– http://www.infoescola.com/saude/irradiacao-de-alimentos/

– http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.php3?id_article=244

– http://www.brasilescola.com/quimica/radioatividade-nos-alimentos-na-agricultura.htm

– http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/791ccc804a9b6b1b9672d64600696f00/Resolucao_RDC_n_21_de_26_de_janeiro_de_2001.pdf?MOD=AJPERES

– http://en.wikipedia.org/wiki/Food_irradiation

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PS: O meu blog está cheio de novas funcionalidades! Agora, ao final de cada post, você pode avaliá-lo de 1 a 5 estrelas, compartilhar nas redes sociais com um clique (twitter, facebook, linkedIN, google + e pinterest), curtir o post e rankear os comentários com positivo e negativo. Vamos lá, experimente!

Caldo de Carne que não Contém Carne

O post de hoje vai tratar de um mito bem antigo – acho que já existe desde antes do meu nascimento. Muitas pessoas não sabem do que são feitos aqueles caldos prontos sólidos, em tabletes ou cubinhos, como os da Knorr (Unilever) ou da Maggi (Nestlé). E existe uma desconfiança especial em relação ao caldo de carne: a maioria acha que não vai carne nenhuma no produto (vegetarianos têm dúvida se podem consumí-lo), ou mesmo que ele é feito de carne podre e/ou sobras de alimentos. Já cheguei a ver inclusive uma alegação de que o tempero fosse feito de fezes bovinas fermentadas, mas infelizmente não consegui encontrar o texto novamente. Irei esclarecer aqui do que é feito o caldo de carne, mas fiquem à vontade para me perguntar sobre os outros sabores, caso tenham curiosidade.

caldo_carne

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Vamos começar com uma resposta na lata: vai carne no caldo de carne sim. Mas talvez não no formato nem na quantia esperada pelo consumidor. Na verdade, o que as empresas utilizam na composição do tempero é o extrato de carne bovina, o qual é obtido a partir do cozimento de carne em água: é o mesmo “caldinho” que a carne solta quando você a cozinha em casa – tanto que existem várias receitas caseiras de caldo de carne. É claro que a indústria utiliza partes menos nobres do animal para esse processo, já que os cortes de primeira serão vendidos como peças cruas (vide post da salsicha: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/21/salsicha-com-jornal/ )

Mas o que as empresas fazem com a carne cozida? Por que não vemos esse produto com frequência no varejo? Existem dois principais produtos feitos com carne bovina cozida: o corned beef (carne bovina curada, geralmente enlatada) e o frozen cooked beef (literalmente carne bovina cozida e congelada) – e o Brasil é um dos maiores produtores mundiais dos dois. Surpreso? Não fique: esses produtos são destinados quase 100% à exportação, já que muitos países não têm a nossa disponibilidade de carne bovina in natura, que tem baixa validade e difícil transporte. O corned beef é típico de países com influência inglesa (Reino Unido, América do Norte, Índia), sendo que a carne enlatada também é muito utilizada como suprimento para soldados durante a guerra. O fato é que o extrato de carne bovina que é um subproduto do cozimento, e não o contrário.

Esclarecido o formato, vamos falar sobre a quantidade: vai realmente muito pouco do extrato no caldo de carne (eu diria que em torno de 1%, mas não há legislação específica sobre isso). A grande massa do produto é formada de sal, gordura vegetal e amido (note que esses ingredientes vêm antes que o extrato na listagem do rótulo). No caldo de carne Knorr, por exemplo, temos 0,9g de gorduras e mais de 1g de sódio numa porção de de 4,75g. Ou seja, em meio cubo do produto (vêm 5 na embalagem) temos mais de 50% de toda a necessidade diária de sódio, motivo pelo qual o produto deve ser usado com moderação e evitado por pessoas hipertensas. Já o sabor fica por conta de uma mistura de especiarias e aditivos realçadores de sabor, os quais fornecem uma sensação de paladar semelhante ao da carne. Por fim, o corante caramelo completa nossa lista de ingredientes, deixando o produto com uma coloração mais agradável.

Fontes:

– Legislação da Anvisa sobre sopas e caldos: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ee559000474595999d72dd3fbc4c6735/RDC_33_2001.pdf?MOD=AJPERES

– Rótulo do Caldo de Carne Knorr: http://www.paodeacucar.com.br/produto/1450/caldo-de-carne-knorr-57g#

– Mais sobre o corned beef: http://en.wikipedia.org/wiki/Corned_beef [em inglês]

Polêmicas Envolvendo Alimentos Transgênicos

Uau, acho que esse foi o post mais difícil que eu já fiz. Por isso gostaria de deixar algumas coisas claras logo de início: não sou biólogo, nem agrônomo, nem nada parecido. Por isso, pretendo não entrar em detalhes técnicos sobre esse tema, mas sim tentar esclarecer os principais mitos e polêmicas envolvendo alimentos transgênicos. Lamento caso me falte competência para me aprofundar melhor em algum tema abordado.

É muito comum vermos inúmeras “notícias” alertando sobre o perigo em se consumir alimentos geneticamente modificados (AGM) e milhares de campanhas contra a sua produção e comercialização. Veja os seguintes exemplos: http://www.portalnutrirse.com/transgenicos-voce-sabe-o-que-come/ e https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=gmail&attid=0.9&thid=13e13daba6904de6&mt=application/vnd.ms-powerpoint&url=https://mail.google.com/mail/u/0/?ui%3D2%26ik%3D8517c6c3a0%26view%3Datt%26th%3D13e13daba6904de6%26attid%3D0.9%26disp%3Dsafe%26zw&sig=AHIEtbQ3TjZKqCTgLbhh5yag6B16JI6Nkw

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O que são os OGM (organismos geneticamente modificados)? São seres vivos (animais, plantas, bactérias, protozoários, fungos e vírus) nos quais parte do código genético é modificado, através da remoção, inserção ou troca de genes em seus DNAs ou RNAs. Hoje em dia, isso pode ser feito biotecnologicamente através de diversas ferramentas da engenharia genética, mas é interessante ressaltar que já praticamos melhoramento genético de seres vivos há milhares de anos por cruzamentos inter-espécies e e seleção artificial.

Nesse contexto, boa parte dos vegetais e animais produzidos e consumidos atualmente passaram por diversas modificações genéticas para atender às nossas necessidades. Exemplos disso são a banana comercial, que apresenta frutos estéreis (são reproduzidas por mudas); a laranja, que é o cruzamento do pomelo com a tangerina; e as diversas raças de boi doméstico. Até mesmo os cães de estimação são frutos de melhoramento genético. A própria natureza, em menor prazo e escala, gera inúmeras modificações genéticas o tempo todo, derrubando o mito de que esse processo é anti-natural.

Para que servem os OGM? Eles são utilizados muito mais do que se pensa, e com diversas aplicações: alimentos, combustíveis, polímeros, medicamentos, etc. A insulina comercial para controle de diabetes, por exemplo, é produzida por uma bactéria desenvolvida em laboratório (geneticamente modificada para produzir o hormônio humano). No caso específico dos alimentos, os OGM são desenvolvidos para gerar produtos de maior apelo sensorial (melhores tamanho, sabor, aroma, textura); valor nutricional (por exemplo: arroz com vitamina A); e, principalmente, aumentar a produtividade, ao gerar cultivares mais resistentes a pragas, melhor adaptados ao ambiente e de crescimento rápido.

Como eu sei se um produto é transgênico? O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo (atrás apenas dos EUA), e os principais alimentos da categoria são a soja, o milho e o algodão. Sendo assim, é natural que muitos dos alimentos industrializados que consumimos diariamente contenham ingredientes transgênicos. De acordo com a legislação brasileira, é necessário indicar no rótulo caso haja mais de 1% desses ingredientes, através do seguinte símbolo:

Imagem

Na minha opinião, o símbolo é muito infeliz, pois tem cores e formato que remetem a “alerta” ou “perigo”, o que aumenta a já inflada desconfiança com os AGM. E, na verdade, a grande maioria dos brasileiros não sabe o que o símbolo quer dizer ou acha que se trata de um sinal de trânsito (vide: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI164863-15259,00.html). Eu proporia uma frase simples, do tipo: “Esse alimento contém ingredientes transgênicos”, a respeito do que já fazem com o caso do glúten, por exemplo. Dessa forma, as pessoas poderiam escolher se gostariam de consumir o produto ou não, de acordo com suas preferências ideológicas (culturais, religiosas, ambientais, políticas).

Eu também gostaria de lembrar, como sempre, que existe toda uma legislação brasileira regulatória para a produção, industrialização e comercialização dos transgênicos, que vai muito além da rotulagem. Para chegar às prateleiras, um produto transgênico tem de passar por cinco fases (veja detalhes aqui: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/428224-BRASIL-E-VICE-LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.htmlhttp://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/428224-BRASIL-E-VICE-LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.html). Mas vamos partir para a análise das polêmicas:

Alimentos transgênicos causam câncer? Não. Muitas pessoas acreditam que ingerir um produto com o DNA modificado pode acabar modificando o próprio DNA do consumidor, podendo causar câncer. É claro que isso é uma besteira: você irá digerir o alimento (incluindo seu DNA) e ele não entrará de forma alguma em contato com o material genético humano. A comunidade científica internacional não reconhece que exista qualquer relação entre o consumo de transgênicos e o desenvolvimento de tumores cancerígenos.

Antes que me bombardeiem nos comentários, existe um estudo francês que associa o consumo de transgênicos ao desenvolvimento de câncer em ratos, porém ele foi desacreditado pela Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA), já que se utilizaram cobaias que já tinham propensão ao desenvolvimento de tumores, além de não empregarem suficientes animais como controle. (http://cib.org.br/em-dia-com-a-ciencia/comunidade-cientifica-contesta-estudo-que-relaciona-alimentos-transgenicos-a-cancer/). Lembrando que, mesmo que o estudo estivesse correto, ele se refere apenas a um cultivar de específico milho em conjunto com um agrotóxico utilizado, e não poderia ser generalizado a todos os AGMs.

AGMs são alergênicos? Depende. Caso certas pessoas tenham alergia a determinada proteína e o produto for geneticamente modificado para produzí-la, é possível sim haver reação alérgica a esse alimento. Mas note que essa alergia não é diferente de uma alergia alimentar comum (como no caso do leite ou do glúten), e não tem relação com o fato de o alimento ser transgênico per se. Em geral, a biotecnologia tem o cuidado de evitar genes precursores de proteínas conhecidamente alergênicas, justamente para combater essa possibilidade. (Para maiores informações sobre alergias alimentares, vide o seguinte post: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/04/10/este-produto-pode-conter-tracos-de/)

A produção de transgênicos é danosa ao meio ambiente? Essa é difícil de responder. Na verdade, o conceito original era justamente o contrário: criar cultivares resistentes a pragas para diminuir o uso de defensivos agrícolas (= agrotóxicos), minimizando a contaminação da água, solo e ar por compostos danosos, protegendo saúde ambiental e humana. Entretanto, o que vem acontecendo é exatamente o contrário: as grandes empresas que desenvolvem os transgênicos também desenvolvem defensivos específicos para serem usados em conjunto. Em geral, esses defensivos são específicos para insetos e não afetam humanos, mas pouco se sabe sobre seu impacto ambiental.

Por outro lado, mesmo o conceito original pode ter efeitos colaterais perigosos: eliminação de invertebrados benéficos (como abelhas e minhocas); destruição dos cultivares e da flora nativa (seja por competição ou por cruzamentos aleatórios); esgotamento do solo devido à monocultura; e desenvolvimento de pragas resistentes, incapazes de serem eliminadas. Todos esses fatores são capazes de gerar impacto ambiental significativo. Ainda assim, não há nenhum estudo científico conclusivo que relacione o uso de transgênicos com danos ambientais palpáveis.

Porque a produção de transgênicos é tão limitada na Europa? Existem dois pontos para responder a essa pergunta. O primeiro é o fato de a agricultura europeia ainda ter características familiares e tradicionalistas (devido a fatores culturais e geográficos), e os produtores terem muita força perante o governo, impondo diversas barreiras fitossanitárias, mesmo motivo pelo qual as importações de alimentos são tão dificultadas. Como o produto transgênico é bem mais barato e produtivo, com o potencial de acabar com os cultivares desenvolvidos ao longo dos anos, o governo age com protecionismo para evitar o seu alastramento pelo continente.

O segundo fator é o interesse das principais indústrias químicas produtoras de defensivos agrícolas, que têm sede em países europeus. A produção de transgênicos representaria menor demanda pelos seus produtos (já que aqueles utilizam menos agrotóxicos ou os específicos do próprio produtor dos AGMs), o que faz com que elas também utilizem o seu lobby perante ao governo, somando-se aos agricultores. Muitas vezes esse lobby é apoiado por pesquisas encomendadas, como a francesa anteriormente discutida. Lembrando que, apesar de não se produzirem tantos transgênicos na Europa, vários produtos importados contendo AGMs são comercializados no continente, mesmo com tantas barreiras.

Por fim, queria deixar claro que as empresas produtoras de transgênicos, como a Monsanto, também não “santas” (com o perdão do trocadilho). Aqui chegamos no ponto que, ao meu ver, é o principal problema dos transgênicos (e talvez, o mais esquecido) : o monopólio. Além de pouquíssimas empresas deterem a tecnologia e quase não haver concorrência, elas ainda amarram a necessidade de se adquirir vários produtos e equipamentos específicos  para lidar com a produção de transgênicos (que elas mesma produzem, é claro). Eis que aqui acaba a utopia (quase Malthusiana) de que os transgênicos vieram para acabar com a fome no mundo: no final, o que todas empresas querem é apenas uma coisa: lucrar.

Outras fontes:

– Mitos sobre transgênicos: http://prodietnutricao.com.br/blog/2013/01/15/mito-ou-verdade-alimentos-transgenicos/#.UXWmULXvsVI

– Mais sobre engenharia genética: http://www.uesb.br/eventos/ebg/anais/7c.pdf

– Transgênicos consumidos diariamente: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2013/02/08/conheca-10-transgenicos-que-ja-estao-na-cadeia-alimentar.htm

– Pesquisa francesa: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/09/19/transgenicos-matam-mais-cedo-e-causam-ate-tres-vezes-mais-cancer-em-ratos-diz-estudo.htm e sobre sua desqualificação: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2012/10/agencia-europeia-desqualifica-estudo-que-liga-transgenicos-cancer.html

– Resumo sobre transgênese: http://pt.wikipedia.org/wiki/Transg%C3%AAnicos

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