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Sobre Kit Kat, Óleo de Palma e Orangotangos

3 de outubro de 2013

Recentemente, recebi o texto e vídeo a seguir no meu Facebook:

<< BOMBA! SAIBA DO QUE É FEITO KIT KAT , VOCÊ NUNCA MAIS VAI QUERER COMER!

Gosta de Kit Kat? Não assista o video a seguir. A iniciativa veio Greenpeace com mais uma de suas campanhas polêmicas contra alguma marca. A marca da vez é a Kit Kat, da Nestlé, que utiliza oléo de palma como matéria prima para o chocolate. O problema é para cultivar o óleo de palma as florestas da Indonésia estão sumindo, ameaçando todas as espécies da fauna e causando a extinção dos orangotangos do local. Utilizando o famoso conceito “Have a Break?” daKit Kat, o Greenpeace lançou um vídeo pra lá de bizarro, pedindo para que o mundo se informe sobre toda a situação e que a própria marca ‘dê um tempo’ para as florestas e lançaram um site sobre o assunto

http://www.youtube.com/watch?v=qa_29M4NnJw  >>

Imagem

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Eu confesso que enrolei um pouco para soltar esse post porque achei que iria dar um trabalho absurdo para pesquisar. Só que não deu. Bastou uma pesquisa rápida para descobrir que a polêmica era de 2010 e já está praticamente resolvida! A Nestlé (e muitas outras empresas de alimentos e cosméticos) realmente utilizavam óleo de palma proveniente de desmatamento de florestas tropicais nativas da Indonésia, que são os lares de uma espécie de orangotango ameaçada de extinção. Após a denúncia do Greenpeace, as empresas se comprometeram a parar de comprar a matéria-prima desse tipo de fornecedores, e passaram a exigir que o óleo fosse certificadamente de fontes sustentáveis, exigindo o selo RSPO (http://www.rspo.org/media/RSPO_Trademark_Logo.png). O próprio Greenpeace comemorou isso como uma vitória (vide fontes). Mas vamos fazer uma mini-análise:

O óleo de palma nada mais é do que aquele extraído da polpa do fruto da palmeira Elaeis guineensis, nativa da África, porém cultivada em diversas regiões tropicais, incluindo a América do Sul e o sudeste asiático (não deve ser confundido com o óleo de palmiste, que é extraído da semente do mesmo fruto). Nós o conhecemos no Brasil como azeite de dendê, utilizado tradicionalmente na culinária nordestina. Além das aplicações nas gastronomias locais, o óleo é extremamente utilizado na indústria, já que possui algumas características interessantes: alto teor de vitaminas (principalmente vitamina A), propriedades antioxidantes e de combate ao colesterol, alta capacidade de hidratação, entre outras. Além da utilização para a formulação de alimentos, o produto também é empregado na indústria de cosméticos, fármacos e até biodiesel.

Para indústria alimentícia, sua importância está no fato de ser um dos poucos óleos vegetais que apresenta alto teor de gorduras saturadas, o que facilita sua aplicação em alimentos sólidos como margarinas, bolos, biscoitos, chocolates, sorvetes, etc. Já as gorduras insaturadas costumam ser líquidas e requerem o processo de hidrogenação para esse tipo de aplicação, o qual é caro e pode gerar compostos indesejáveis, como as gorduras trans. Geralmente, o óleo de palma aparece nos rótulos sob os pseudônimos de “óleo vegetal” ou “gordura vegetal” (caso do Kit Kat), mesmo porque costuma ser utilizado em combinação com outros tipos de óleo vegetal, como o de soja ou o de milho. Existem alguns óleos vegetais que podem ser utilizados como substitutos – entre eles o de oliva, o de coco e o de semente de uva – porém, em geral, são muito mais caros e não são produzidos em tão larga escala, o que torna sua aplicação inviável na indústria.

Como as empresas precisam continuar a usar o óleo de palma até que se encontre uma alternativa plausível, sou super a favor de que essa (e qualquer outra) matéria-prima para a produção de alimentos venha de fontes sustentáveis, na medida do possível. Mas não sejamos hipócritas: diversos alimentos produzidos em larga escala geram impactos ambientais – exemplos: agricultura de grãos como soja e milho, criação de bovinos, pesca, etc. No lugar de ficar falando “vou parar de comer tal coisa”, o ideal é desenvolver tecnologias que aumentem a produtividade e causem cada vez menos impacto ambiental; além de soluções eficientes de transporte e distribuição, a fim de minimizar o desperdício. Esse é o desafio dos agrônomos; o meu, como engenheiro de alimentos, é exigir dos práticas sustentáveis dos meus fornecedores e processar essa matéria-prima da melhor forma possível, visando fornecer aos consumidores um produto seguro, com qualidade e praticidade, na escala e na forma que eles demandam.

Talvez o título do post tenha dado a impressão de que eu iria falar mais sobre orangotangos. Infelizmente, não sei nada sobre eles. Para quem viu o vídeo e achou que realmente existiam dedos de símios dentro da embalagem do chocolate, eu só lamento. Agora fica uma dica: não custa nada pesquisar a origem das informações que aparecem no nosso Facebook antes de sair compartilhando. Não demorei nem 5 minutos para descobrir que a campanha era de 2010 e  o caso já estava encerrado. E, por favor, parem de divulgar vídeos antigos como se fossem recentes.

Fontes:

– Análise do boatos.org: http://boatos.org/meio-ambiente/informacao-kit-kat-feito-oleo-palma-desatualizada.html

– Comprometimento da Nestlé com o óleo de palma sustentável: http://www.nestle.com/media/Statements/Update-on-deforestation-and-palm-oil [em inglês]

– Posicionamento do Greenpeace: http://www.greenpeace.org/international/en/about/history/Victories-timeline/Nestle/ [em inglês]

– Apanhado geral sobre o óleo de palma: http://en.wikipedia.org/wiki/Palm_oil [em inglês]

– Sobre impactos ambientais e alternativas: http://lookaholic.wordpress.com/2013/05/13/oleo-de-palma-e-seus-impactos-ambientais/

– Rótulo do Kit Kat: http://www.nestle.com.br/site/marcas/KitKat/chocolates/KitKat.aspx

11 Comentários
  1. Larissa permalink

    Preciso dizer, estou adorando o seu blog. Sou estudante de Tecnologia de Alimentos, portanto quando vejo esses posts fico inconformada com a ignorância do povo.
    Obrigada por dedicar parte do seu tempo esclarecendo esses mitos.

  2. Caro amigo, sou estudante do curso técnico em alimentos no Senai e acompanho seus posts. Sempre compartilho as informações na página que temos no curso, pois sempre acho o assunto interessante, tem algum problema? Abraço!

  3. Verdade, isso tem causado polêmica e como sempre verificar a vericidade das informações é sempre bom!

    Ótimo post!

  4. Edgard de Oliveira Westim Perri permalink

    MEUS PARABÉNS PELO BLOG, EXPLICANDO DIREITINHO O QUE É CADA INGREDIENTE PARA QUE ELES SERVEM, OS NOMES USADOS PELA INDÚSTRIA, ALÉM DE ALERTAR OS PSEUDO “VERDES” QUE NÃO É DEIXANDO DE CONSUMIR QUE ISTO SERÁ MODIFICADO POIS SE A AGRICULTURA HOJE NÃO PRODUZISSE O QUE PRODUZ TERÍAMOS MORTE POR FOME ENORMEMENTE MAIOR DO QUE ACONTECE HOJE, ESTES “VERDES” DEVEM SIM BRIGAR PELO DESPERDÍCIO E TAMBÉM POR PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS ALTERNATIVAS

  5. Cintia Kawasaki permalink

    Mto bom o post, especialmente pq chama a atenção das pessoas p verificarem a veracidade das notícias q andamos espalhando por aí, =)

  6. Parabéns pelo blog!
    Quando puder conheça nosso trabalho em Missão Gastronômica.
    Um abração
    Patt Baleeira, bióloga e especialista em Análise de Fraudes/Sujidades em Alimentos.

  7. Raquel permalink

    Parabéns! Muito esclarecedor!

  8. Obrigado, bem esclarecedora sua postagem.

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