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Este Produto Pode Conter Traços de…
Conforme prometido no post da carne de cavalo (https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/02/25/carne-de-cavalo/), vou falar sobre os famosos “traços” que nossos alimentos favoritos podem conter:
Muitas pessoas já devem ter se deparado, no rótulo de um alimento, com a afirmação de que o produto pode conter traços de diversos itens que não fazem parte da lista de ingredientes. Isso pode causar muita confusão, além de deixar as pessoas alarmadas, chegando ao extremo de deixar de consumir o produto. Nesse blog (http://aspiranteaengenheiro.blogspot.com.br/2010/08/pode-conter-vestigios-de-amendoins.html), por exemplo, o autor reclama que na embalagem de certa bolacha, a qual não tem amendoim em sua composição, há o dizer “esse produto pode conter traços de amendoim”. Mas como assim as empresas não sabem exatamente o que tem e o que não tem no produto?
Na verdade, não é bem isso. As empresas sabem exatamente (ou pelo menos deveriam) qual é a formulação de cada produto do seu portfólio, já que praticamente todas as áreas da companhia dependem disso, direta ou indiretamente. Além da própria listagem dos ingredientes, compartilhada conosco através do rótulo, elas sabem também a quantidade de cada um na sua composição – sendo que a única coisa nós podemos verificar é a ordem da proporção, mas não os valores em si (para maiores informações a esse respeito, vide o post sobre pão integral: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/03/15/pao-integral-que-nao-e-integral/ ). Então como deixar passar o “traço” de alguma coisa indesejada?
Primeiramente, para quem não sabe, um traço é definido nesse contexto como uma quantia extremamente pequena de algo. No caso da indústria de alimentos, os traços são sempre não-intencionais e aleatórios, não apresentando nenhuma função nutricional, sensorial, preservativa ou tecnológica no alimento. Isso os diferencia mesmo daqueles aditivos que são adicionados em quantidades mínimas na produção, os quais fazem sim parte formulação por alguma razão específica (como um conservante, por exemplo).
Na verdade, o que ocorre é que muitas vezes as empresas manipulam, processam, armazenam e transportam vários produtos nas mesmas instalações, o que pode fazer com que produtos diferentes entrem em contato um com o outro. Isso não quer dizer que a empresa não tenha boas práticas de fabricação, higiene e limpeza em seus equipamentos, já que uma quantidade microscópica de qualquer alimento pode ficar aderida a uma linha de produção ou ser facilmente transportada pelas vestes, ferramentas ou mesmo através do ar. Diferentemente de micro-organismos e outros contaminantes, em geral os traços não são destruídos no processamento nem detectáveis em análises físicas, químicas ou biológicas.
Mas então, porque as empresas anunciam isso em seus rótulos? E porque a lista de traços não é maior, se eles são transmitidos tão facilmente? O motivo é o seguinte: a ANVISA só determina que devem ser declarados aqueles traços que são alérgenos potenciais. Por isso que vemos produtos que podem conter traços de leite, ovos, soja, amendoim, trigo, pescados, crustáceos, e/ou nozes e castanhas, já que esses itens correspondem a mais de 90% das alergias alimentares. Apesar de os traços de alimentos não apresentarem problemas à saúde pública para a maioria das pessoas (ao contrário de um micro-organismo patógeno ou um metal pesado), a alergia alimentar pode se manifestar mesmo com uma quantidade ínfima de certo produto e pode ter graves consequências para os indivíduos alérgicos – inclusive risco de morte. Por esse motivo, as empresas devem declarar quais traços alérgenos podem estar presentes em seus produtos.
Portanto, se você não apresenta nenhuma alergia alimentar, não há motivo para ficar assustado caso seu miojo de carne “possa conter traços de camarão”, ou a sua bolacha cream cracker “possa conter traços de avelãs”: fique tranquilo que seu produto não vai ter cara, cheiro e nem gosto dessas coisas. Lembrando que nós, engenheiros de alimentos, nem precisamos ter avelãs para deixar algo com seu gosto. Mas isso já é assunto para outro post…
Fontes:
From → Polêmicas & Incertezas
Boa Pedro!
Eu já participei de um projeto em uma indústria que foi deixado de lado pois teríamos que declarar “possui traços de lactose” mesmo em produtos que normalmente isso não aparece e o marketing achou que isso seria um “claim” negativo ao produto, o que fez o projeto não ser viavel economicamente, pois o misturador que estávamos pensando em comprar iria ser subutilizado.
E nem conta pra ninguém que um produto “gluten free”, por exemplo, na verdade tem, sim, glúten, mas em quantidades menores daquelas previstas em legislações….
Oi Queiroz!
Na verdade, se a quantidade que o produto contém de lactose ou glúten não for suficiente para ativar uma alergia alimentar, não é obrigatório, por lei, a declaração.
Agora fiquei curioso: que produto era essa que não podia conter traços de lactose? Era para veganos?
Café!
Não é que num pode, mas não queriam ter o claim… e como o limite é bem baixo (num sei qual é, mas me disseram que era), corria-se o risco de ter.
Boa noite. Interessante o texto.
Sou médico e meu filho possuí Alergia à proteína do Leite de Vaca e esse tema de “traços” vem me intrigando. Quanto à indústria eu compreendi o significado de traços. Mas uma dúvida permanece : em casa onde podem estar os traços? Um médico sumidade no assunto da USP nos orientou a trocar TODOS os ítens da cozinha (garfos, facas, colheres, pratos, panelas, vasilhas, etc…) até quando tem traços ? Lavar? Esterelizar? Algum estudo com microscopia eletronia detectando isso nos metais, vidros e plásticos?
Obrigado
Boa noite. Na verdade, funciona mais ou menos do mesmo jeito em casa e na indústria. Se outros membros da sua família utilizam utensílios para preparar / servir laticínios, é bem possível que traços de leite contaminem o alimento do seu filho, mesmo lavando bem. Acho que se a alergia for muito grave e sensível, o ideal é ter um conjunto de louças separado só para fazer os alimentos para seu filho, e que sejam lavados e armazenados também em separado. Sobre os estudos com microscopia não sei te informar, até deve ter alguma coisa, mas acho algo um pouco impraticável para o dia-a-dia em casa.
Obrigado pela ajuda. Decidimos todos em casa não consumir mais produtos com laticíneos. Mas antes utilizávamos. Mas sua resposta foi exclarecedora. Teremos que trocar muito mais coisas, como liquidificadores, mixers, maqui as de pão, etc…
Obrigado pela grande ajuda