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Polêmicas Envolvendo Alimentos Transgênicos

23 de abril de 2013

Uau, acho que esse foi o post mais difícil que eu já fiz. Por isso gostaria de deixar algumas coisas claras logo de início: não sou biólogo, nem agrônomo, nem nada parecido. Por isso, pretendo não entrar em detalhes técnicos sobre esse tema, mas sim tentar esclarecer os principais mitos e polêmicas envolvendo alimentos transgênicos. Lamento caso me falte competência para me aprofundar melhor em algum tema abordado.

É muito comum vermos inúmeras “notícias” alertando sobre o perigo em se consumir alimentos geneticamente modificados (AGM) e milhares de campanhas contra a sua produção e comercialização. Veja os seguintes exemplos: http://www.portalnutrirse.com/transgenicos-voce-sabe-o-que-come/ e https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=gmail&attid=0.9&thid=13e13daba6904de6&mt=application/vnd.ms-powerpoint&url=https://mail.google.com/mail/u/0/?ui%3D2%26ik%3D8517c6c3a0%26view%3Datt%26th%3D13e13daba6904de6%26attid%3D0.9%26disp%3Dsafe%26zw&sig=AHIEtbQ3TjZKqCTgLbhh5yag6B16JI6Nkw

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O que são os OGM (organismos geneticamente modificados)? São seres vivos (animais, plantas, bactérias, protozoários, fungos e vírus) nos quais parte do código genético é modificado, através da remoção, inserção ou troca de genes em seus DNAs ou RNAs. Hoje em dia, isso pode ser feito biotecnologicamente através de diversas ferramentas da engenharia genética, mas é interessante ressaltar que já praticamos melhoramento genético de seres vivos há milhares de anos por cruzamentos inter-espécies e e seleção artificial.

Nesse contexto, boa parte dos vegetais e animais produzidos e consumidos atualmente passaram por diversas modificações genéticas para atender às nossas necessidades. Exemplos disso são a banana comercial, que apresenta frutos estéreis (são reproduzidas por mudas); a laranja, que é o cruzamento do pomelo com a tangerina; e as diversas raças de boi doméstico. Até mesmo os cães de estimação são frutos de melhoramento genético. A própria natureza, em menor prazo e escala, gera inúmeras modificações genéticas o tempo todo, derrubando o mito de que esse processo é anti-natural.

Para que servem os OGM? Eles são utilizados muito mais do que se pensa, e com diversas aplicações: alimentos, combustíveis, polímeros, medicamentos, etc. A insulina comercial para controle de diabetes, por exemplo, é produzida por uma bactéria desenvolvida em laboratório (geneticamente modificada para produzir o hormônio humano). No caso específico dos alimentos, os OGM são desenvolvidos para gerar produtos de maior apelo sensorial (melhores tamanho, sabor, aroma, textura); valor nutricional (por exemplo: arroz com vitamina A); e, principalmente, aumentar a produtividade, ao gerar cultivares mais resistentes a pragas, melhor adaptados ao ambiente e de crescimento rápido.

Como eu sei se um produto é transgênico? O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo (atrás apenas dos EUA), e os principais alimentos da categoria são a soja, o milho e o algodão. Sendo assim, é natural que muitos dos alimentos industrializados que consumimos diariamente contenham ingredientes transgênicos. De acordo com a legislação brasileira, é necessário indicar no rótulo caso haja mais de 1% desses ingredientes, através do seguinte símbolo:

Imagem

Na minha opinião, o símbolo é muito infeliz, pois tem cores e formato que remetem a “alerta” ou “perigo”, o que aumenta a já inflada desconfiança com os AGM. E, na verdade, a grande maioria dos brasileiros não sabe o que o símbolo quer dizer ou acha que se trata de um sinal de trânsito (vide: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI164863-15259,00.html). Eu proporia uma frase simples, do tipo: “Esse alimento contém ingredientes transgênicos”, a respeito do que já fazem com o caso do glúten, por exemplo. Dessa forma, as pessoas poderiam escolher se gostariam de consumir o produto ou não, de acordo com suas preferências ideológicas (culturais, religiosas, ambientais, políticas).

Eu também gostaria de lembrar, como sempre, que existe toda uma legislação brasileira regulatória para a produção, industrialização e comercialização dos transgênicos, que vai muito além da rotulagem. Para chegar às prateleiras, um produto transgênico tem de passar por cinco fases (veja detalhes aqui: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/428224-BRASIL-E-VICE-LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.htmlhttp://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/428224-BRASIL-E-VICE-LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.html). Mas vamos partir para a análise das polêmicas:

Alimentos transgênicos causam câncer? Não. Muitas pessoas acreditam que ingerir um produto com o DNA modificado pode acabar modificando o próprio DNA do consumidor, podendo causar câncer. É claro que isso é uma besteira: você irá digerir o alimento (incluindo seu DNA) e ele não entrará de forma alguma em contato com o material genético humano. A comunidade científica internacional não reconhece que exista qualquer relação entre o consumo de transgênicos e o desenvolvimento de tumores cancerígenos.

Antes que me bombardeiem nos comentários, existe um estudo francês que associa o consumo de transgênicos ao desenvolvimento de câncer em ratos, porém ele foi desacreditado pela Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA), já que se utilizaram cobaias que já tinham propensão ao desenvolvimento de tumores, além de não empregarem suficientes animais como controle. (http://cib.org.br/em-dia-com-a-ciencia/comunidade-cientifica-contesta-estudo-que-relaciona-alimentos-transgenicos-a-cancer/). Lembrando que, mesmo que o estudo estivesse correto, ele se refere apenas a um cultivar de específico milho em conjunto com um agrotóxico utilizado, e não poderia ser generalizado a todos os AGMs.

AGMs são alergênicos? Depende. Caso certas pessoas tenham alergia a determinada proteína e o produto for geneticamente modificado para produzí-la, é possível sim haver reação alérgica a esse alimento. Mas note que essa alergia não é diferente de uma alergia alimentar comum (como no caso do leite ou do glúten), e não tem relação com o fato de o alimento ser transgênico per se. Em geral, a biotecnologia tem o cuidado de evitar genes precursores de proteínas conhecidamente alergênicas, justamente para combater essa possibilidade. (Para maiores informações sobre alergias alimentares, vide o seguinte post: https://alimentandoadiscussao.wordpress.com/2013/04/10/este-produto-pode-conter-tracos-de/)

A produção de transgênicos é danosa ao meio ambiente? Essa é difícil de responder. Na verdade, o conceito original era justamente o contrário: criar cultivares resistentes a pragas para diminuir o uso de defensivos agrícolas (= agrotóxicos), minimizando a contaminação da água, solo e ar por compostos danosos, protegendo saúde ambiental e humana. Entretanto, o que vem acontecendo é exatamente o contrário: as grandes empresas que desenvolvem os transgênicos também desenvolvem defensivos específicos para serem usados em conjunto. Em geral, esses defensivos são específicos para insetos e não afetam humanos, mas pouco se sabe sobre seu impacto ambiental.

Por outro lado, mesmo o conceito original pode ter efeitos colaterais perigosos: eliminação de invertebrados benéficos (como abelhas e minhocas); destruição dos cultivares e da flora nativa (seja por competição ou por cruzamentos aleatórios); esgotamento do solo devido à monocultura; e desenvolvimento de pragas resistentes, incapazes de serem eliminadas. Todos esses fatores são capazes de gerar impacto ambiental significativo. Ainda assim, não há nenhum estudo científico conclusivo que relacione o uso de transgênicos com danos ambientais palpáveis.

Porque a produção de transgênicos é tão limitada na Europa? Existem dois pontos para responder a essa pergunta. O primeiro é o fato de a agricultura europeia ainda ter características familiares e tradicionalistas (devido a fatores culturais e geográficos), e os produtores terem muita força perante o governo, impondo diversas barreiras fitossanitárias, mesmo motivo pelo qual as importações de alimentos são tão dificultadas. Como o produto transgênico é bem mais barato e produtivo, com o potencial de acabar com os cultivares desenvolvidos ao longo dos anos, o governo age com protecionismo para evitar o seu alastramento pelo continente.

O segundo fator é o interesse das principais indústrias químicas produtoras de defensivos agrícolas, que têm sede em países europeus. A produção de transgênicos representaria menor demanda pelos seus produtos (já que aqueles utilizam menos agrotóxicos ou os específicos do próprio produtor dos AGMs), o que faz com que elas também utilizem o seu lobby perante ao governo, somando-se aos agricultores. Muitas vezes esse lobby é apoiado por pesquisas encomendadas, como a francesa anteriormente discutida. Lembrando que, apesar de não se produzirem tantos transgênicos na Europa, vários produtos importados contendo AGMs são comercializados no continente, mesmo com tantas barreiras.

Por fim, queria deixar claro que as empresas produtoras de transgênicos, como a Monsanto, também não “santas” (com o perdão do trocadilho). Aqui chegamos no ponto que, ao meu ver, é o principal problema dos transgênicos (e talvez, o mais esquecido) : o monopólio. Além de pouquíssimas empresas deterem a tecnologia e quase não haver concorrência, elas ainda amarram a necessidade de se adquirir vários produtos e equipamentos específicos  para lidar com a produção de transgênicos (que elas mesma produzem, é claro). Eis que aqui acaba a utopia (quase Malthusiana) de que os transgênicos vieram para acabar com a fome no mundo: no final, o que todas empresas querem é apenas uma coisa: lucrar.

Outras fontes:

– Mitos sobre transgênicos: http://prodietnutricao.com.br/blog/2013/01/15/mito-ou-verdade-alimentos-transgenicos/#.UXWmULXvsVI

– Mais sobre engenharia genética: http://www.uesb.br/eventos/ebg/anais/7c.pdf

– Transgênicos consumidos diariamente: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2013/02/08/conheca-10-transgenicos-que-ja-estao-na-cadeia-alimentar.htm

– Pesquisa francesa: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/09/19/transgenicos-matam-mais-cedo-e-causam-ate-tres-vezes-mais-cancer-em-ratos-diz-estudo.htm e sobre sua desqualificação: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2012/10/agencia-europeia-desqualifica-estudo-que-liga-transgenicos-cancer.html

– Resumo sobre transgênese: http://pt.wikipedia.org/wiki/Transg%C3%AAnicos

15 Comentários
  1. Estava lendo e pronta para comentar sobre o monopólio e o lucro de empresas de transgênicos, e eis que, no último parágrafo, você comenta o problema!!!!!!!! :)))

  2. Tamara permalink

    Pedro, vc arrasou!! Obrigada!!!!

  3. Excelente texto, Menchik! Você foi muito claro ao relacionar os AGM com os fatores que realmente geram todas as polêmicas e principalmente ao reassaltar as dificuldades de produção devido ao monopólio da tecnologia! Parabéns :]

  4. Cintia permalink

    Nossa, adorei esse post. Muito esclarecedor. De maneira simples e direta vc abordou tds os pontos importantes…
    Eu vi na pele o impacto do monopólio de empresas nos agricultores, principalmente aqueles agricultores de subsistencia que estao crescendo sua producao… Eles ficam dependentes das empresas de forma brutal, é horrível…. 😦

  5. gustavo permalink

    Gostaria de contribuir com alguns comentários.
    Primeiramente gostaria de colocar que a comparação entre as técnicas de transgenia e os melhoramento natural são descabidas, pelo fato central de que as plantas transgênicas contém genes de espécies totalmente diferentes uma da outra, enquanto os cruzamentos e melhoramentos são feitos entre variedades da mesma espécie ou espécies próximas. Assim sendo, uma toxina produzida por uma bactéria, por exemplo pode parar numa planta que vamos consumir.
    Um segundo aspecto é uma desconfiança ao modo rápido e eficiente demais como “desqualificaram” o estudo do pesquisador francês. Vale lembrar que a princípio ele foi publicado numa revista renomada da área de toxicologia e passou pela revisão por pares. Trabalhos apresentados para ‘comprovar’ a eficácia e segurança de transgênicos não são vistos e revistos tantas vezes, não?
    Cabe tb uma discussão acerca da política envolvendo a questão. Órgãos como o FDA dos EUA ou a CTNbio brasileira são contaminados por interesses privados das empresas alimentícias. Como eu sei? Conheço 3 professores que fizeram parte da CTNBio e me diziam da maneira como os produtos eram rapidamente aprovados em suas reuniões, sem espaço para maiores críticas.
    Por fim, concordo totalmente com suas colocações sobre o monopólio das empresas de transgenia.
    Sugiro um filme sobre o assunto “O mundo segundo a Monsanto”. Vale a pena ver antes de se ter uma opinião formada.

    Achei que o texto pretendeu ser imparcial, no entanto, acredito que é importante tomar posição e eu me coloco contra os transgênicos.

    • Claro Gustavo, todo mundo tem direito a ter uma opinião, desde que cordial e bem-fundamentada, como a sua.

      Talvez você se surpreenda como a transgenia e o melhoramento genético clássico (que você descreveu como “natural”) são conceitualmente semelhantes, apesar de tecnologicamente diferentes. As próprias mitocôndrias das suas células já foram bactérias um dia.

      Existe lobby das grandes produtoras? Claro! A Monsanto tem um poder imenso para fazer muita coisa inadequada? Sim. Mas note que esse texto não está analisando a Monsanto, mas sim os transgênicos. Uma pessoa pode ser contra um sem ser contra o outro, da mesma maneira em que se pode ser contra o Mc Donald’s sem ser contra hambúrgueres. O produto é diferente das empresas produtoras.

      Eu também sou a favor de que os estudos sobre a segurança de QUALQUER alimento sejam levados a sério e analisados criticamente, sendo eles para o bem ou para o mal. E sou completamente contrário à generalização e ao alarmismo (exemplo: pessoas que pararam de beber leite após os problema com os lotes adulterados no RS).

      Obrigado pela sua contribuição!

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